segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Esse conluio de corpos em convulsão...

Por Ricardo Mattos*



“A possessão física continuava aí. Este cataclisma que era meu corpo... Após vinte e oito dias de espera, ainda não tinha voltado a mim – ou melhor dizendo, saído até mim. Até mim, esta montagem deslocada, este pedaço de geologia avariada”

Artaud, A Dança do Peiote

Foto: divulgação.

Saía todo desconjuntado... era muito esquisito ainda andarmos equilibrados naquelas duas flâmulas que insinuavam nossas quedas. Parecíamos todos dispormos dos gestos de maneira tão ordinária: um passo após outro... essa marcha simétrica tão pequena diante de suas possibilidades.

Aquelas escadas de saída faziam mesmo parte do cenário: nossos passos teimariam ainda em caminhar ordenados, sem ser assaltados pelos sobressaltos, solavancos dos movimentos aleatórios?

Na soleira do inesperado, a alameda dos sustos, o alarido dos surtos. Aquelas Dobras de Wellington Duarte e Vera Sala me fizeram visitar um corpo flácido, desmontado de suas significações cotidianas; grávido de novos sentidos inaugurados a cada passo. E cada passo era um salto. Entreguei-me a vagar aos tropeços etílicos; a experiência dessas pernas encurtadas que desafiavam o plano monótono das calçadas. Chegavam sempre depois ao chão, um gesto largo das pernas que demoravam no ar e espraiavam no chão desequilibradas, como em um elemento movediço.

Fremia meu corpo com aquele mesmo elemento do espetáculo: a exaustão dos provocadores no palco que contagiava nossos modos e garantia aquele conluio de corpos convulsionando em busca de outros gestos - esses comparsas do cataclisma.

* Texto livre sobre a experiência no espetáculo Dobras (criação, execução e interpretação de Wellington Duarte e Vera Sala), exibido de 08 a 11/09, no Centro Cultural de São Paulo.
Ricardo Mattos é poeta e psicólogo.

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