quinta-feira, 30 de junho de 2011

Olhar a cena

Por Flávia Fontes Oliveira

Angel Vianna tem uma frase linda que costuma dizer: “Eu gosto de gente”. Ela, que é uma dama da dança brasileira, sabe do que está falando. As pessoas enriquecem tudo e, mesmo quando não dá para distinguir, são elas que, ponto a ponto, apontam os caminhos.

Marcela Benvegnu, minha sócia aqui, está acompanhando a primeira viagem internacional da São Paulo Companhia de Dança e está escrevendo, como repórter incansável que é, um diário sobre esta experiência. São muitas informações com um olhar “de dentro”. E é on-line: www.saopaulocompanhiadedanca.blogspot.com. “Eu queria mostrar um olhar além do palco, os bastidores e, sobretudo, quem são as pessoas”, ela me diz. Uma beleza, vão lá.

quarta-feira, 29 de junho de 2011

Uátila Coutinho, inquietações da dança

Por Flávia Fontes Oliveira

Em Traço, de Cassilene Abranches |
Foto: Rodrigo Mendes
A inquietação é marca de artistas, mesmo quando estão em projetos grandes. Difícil identificar quando chega, mas ela está ali, pronta para pegar qualquer um de jeito. Uátila Coutinho, 23 anos, hoje bailarino do Grupo Corpo, estreou o solo Traço, de Cassilene Abranches, sua colega de elenco na companhia, em Belo Horizonte, na Mostra Klauss Vianna, há pouco mais de um mês. Pura inquietação. A ideia veio de conversas dos dois na coxia, este espaço mágico entre o palco e o que está fora da cena. “Quando eu cheguei a Belo Horizonte, não dançava muito e também não tinha muito o que fazer na cidade. Sugeri a Cassi montar um solo. Ela já estava empolgada em coreografar porque havia acabado de montar Contracapa (2009), para o Ballet Jovem do Palácio das Artes”. Agora inscreveu a coreografia em alguns festivais para dançar novamente. 

Traço foi surgindo entre um espetáculo e outro do grupo mineiro e Uátila começou a contar, como ponto de partida, sua história e seus gostos. Ele começou a dançar tarde, aos 14 anos, em uma escola da prefeitura de São José do Rio Preto. Não tinha muitos amigos e, como ele mesmo diz, “na falta do que fazer”, acompanhou uma vizinha às aulas.

O tempo revelou seu jeito para as aulas e achou que daria certo a profissão de bailarino. Foi para São Paulo, dançou em telenovelas e musicais. Em 2008, entrou na São Paulo Companhia de Dança, em São Paulo. Um ano mais tarde, passou na audição do Grupo Corpo. Tem dado certo viver da dança, embora, não seja simples. “Ter a dança como profissão é um pouco assustador e incrível ao mesmo tempo. A dança mexe muito com nossa cabeça, nossas emoções e nossa vida. Vivemos buscando, mudamos de cidade, deixamos família e tudo em busca de viver a dança”, diz ele. Hoje dança é profissão e ele ajuda a família quando precisa – a mãe é doméstica e sempre o apoiou, mesmo quando tudo era incerto. Mas ainda é difícil ficar afastado da família.

Todos esses dados serviram para Traço. “Tudo o que conversamos, Cassi foi tirando ideias para buscar a trilha, ideias para movimentos e desenhos coreográficos e o traço pouco a pouco foi nascendo. Demos esse nome por ele contar minha vida, por ser algo marcado.”
Coreografia tem sua história como referência
Foto: Rodrigo Mendes
Quem já viu Uátila Coutinho no palco sabe que o nome da coreografia também diz muito de sua figura, alto, linhas de corpo precisas, movimentos grandes. Traços em movimento. Engraçado como na cena ele cresce, deixa sua personalidade doce de lado e ganha força, expressão e potência. Ainda bem que a inquietação existe.

terça-feira, 21 de junho de 2011

O que te emociona na dança? Por quê?

Por Flávia Fontes Oliveira

"O que realmente me emociona na dança são bailarinos de verdade. É fácil reconhecê-los: são aqueles que iluminam um palco ou uma sala de aula no mesmo instante em que começam a dançar. Não colocam a técnica acima da arte, mas a utilizam como instrumento do seu ofício. Reconhecem o seu lugar. Os movimentos são as palavras necessárias para contar uma história. Não apenas a história do espetáculo, do repertório, do coreógrafo, mas a sua própria. É de extrema beleza bailarinos que mostram quem são em apenas três minutos. Para quem dança com corpo, alma e coração, é fácil. E quando estou diante de artistas assim, é impossível os meus olhos não marejarem."
Cássia Pires, dança nas aulas e nas palavras.
Foto: acervo pessoal
Cássia Pires, 31, bailarina, revisora e preparadora de textos. Começou a dançar aos 27 anos e, além das aulas, dança com as palavras. É autora do blog http://www.dospassosdabailarina.wordpress.com/, nele mostra que o balé pode ser arte de todos – cada um encontra seu meio de torná-lo parte da vida. Como ela mesma diz “a dança não aceita entraves, nem no corpo, nem na mente”. Sua linda resposta acima indica as razões de a dança sempre ultrapassar barreiras.

sexta-feira, 17 de junho de 2011

No espaço do entre | Crítica New York, New York


Por Marcela Benvegnu

Este é meu primeiro texto em primeira pessoa para a Revista de Dança. Talvez seja o único. Já dizia Bento Prado Junior em seu livro Sereia Desmistificada que o crítico habita o intervalo, o espaço que separa público e espetáculo. E questiono aqui qual seria o papel do crítico quando ele habita o espaço do entre o público e a melhor amiga no palco? Não criticar? Seria essa a resposta mais ética? Cabível então é me colocar neste lugar (de público e de melhor amiga), e entender que é possível olhar para o espetáculo criticamente, mesmo recebendo informações privilegiadas sobre ele. Como diz a letra de My Way, de Claude François , Jacques Revaux e Paul Anka, uma das canções do musical New York New York,  é preciso aqui “dizer as palavras que verdadeiramente sente”.

Fui no sábado, 11, pela segunda vez assistir a montagem com direção artística de José Possi Neto (que na sequência já dirigirá Cabaret, com Claudia Raia como protagonista), e direção musical de Fábio Gomes de Oliveira, no Teatro Bradesco, em São Paulo. Esta é a primeira versão musical do texto baseado no livro do escritor americano Earl MacRauch. O romance ganhou adaptação para cinema em 1977, com direção de Martin Scorsese e interpretação de Liza Minnelli e Robert De Niro. A trama conta a história de amor entre a cantora Francine Evans (Alessandra Maestrini) e o saxofonista Johnny Boyle (Juan Alba) na América do pós-guerra, no auge das big bands dos anos 30 e 40. 

Maestrini e Alba: os protagonistas de NY NY | Foto: Divulgação
 A casa que parecia vazia faltando dez minutos para o início a apresentação se transformou. O teatro estava lotado e o público receptivo. Sinal que, quase ao final da temporada, com dois espetáculos aos sábados, a peça tem fôlego e, claro, temos público para musicais, um fenômeno recente em terras brasileiras.

A peça, uma comédia romântica, que começa num 2 de setembro de 1945, tem roteiro atual, diferente do seu próprio tempo, com uma pitada de humor, que transforma o então moderno em contemporâneo, sobretudo, pelas projeções presentes. As músicas (entre elas Sing Sing, de Benny Goodman, e claro, New York, New York, de John Kander e Fred Ebb) são cantadas em inglês, o que nos poupa de uma tradução que faça com que a obra ganhe outros contornos. Porém está presente e é bem colocada num lettering no palco, a não ser em Fever, quando a inteligente Simone Gutierrez (Srta. Perkins), protagoniza Fever e seu texto em primeira pessoa é transformado pelo lettering em terceira. Dá outro sentido. Faz diferença. 

Simone Gutierrez em Fever: um dos melhores momentos | Foto: Divulgação
   
 É interessante notar como as coreografias de Anselmo Zolla e Kika Sampaio já estão incorporadas ao corpo dos bailarinos. Na pré-estreia, em 11 de abril – exatos dois meses - , os bailarinos ainda precisavam se moldar ao movimento. A dança ainda não estava incorporada. Hoje isso é diferente. Eles já tem a autonomia do gesto e estão bem ensaiados. Os destaques ficam para a coreografia de Zolla com o elenco masculino em Fever, uma sequência elouquente e ritmada no chão, e o trem uma delicada e simples coreografia de sapateado de Kika Sampaio que dialoga com a projeção de um trem atrás dos bailarinos.  É sutil e poética.

Parte da dramaturgia da cena está relacionada à iluminação brilhantemente conduzida que cria diferentes ambientes num mesmo espaço sem comprometer a cena. Os figurinos, leia-se Atelier Chris Daud para Claudeteedeca e Miko Hashimoto, fazem bem aos olhos, com destaque para os sapatos bicolor.

Alessandra Maestrini, protagonista, dona de uma excelente atuação pode “não chacoalhar os ossos” como diz, mas não precisa. Ela faz o que quer, pensa e bem entende com a sua voz. Linda de ver e ouvir.

Seja com os Goldens Boys, no The Palm Club, Harlen ou na Pensylvania Station é possível ver ali a potencialidade de cada bailarino e o mérito do diretor em trabalhar o que cada um tinha de melhor e colocar isso em forma de espetáculo no palco. Aqui entra a minha melhor amiga. Christiane Matallo sapateia e toca saxofone tenor há mais de 15 anos. Isso não é uma novidade para mim. Midnight Voyage a música que une sax tenor e sapatos faz parte do seu repertório. Consigo ver de olhos fechados. Mas como é interessante reconhecer aquilo até então familiar para mim dentro de outro contexto, maior. É aqui que está o entre. O diretor usa seu corpo como instrumento da personagem e sua técnica a favor do musical.
Christiane Matallo: primeira mulher da direita para esquerda: placas no pé | Foto: Divulgação
E mais uma vez, na voz do texto da montagem, como diz o professor de sapateado de Francine Evans, que a gente “continue dançando” aqui ou em Nova York e, sobretudo, se reconhecendo no palco, mesmo quando lá em cima, entre a plateia e a quarta parede também está um pedaço de você.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Retrato | Herança de bailarina

Por Flávia Fontes Oliveira
Por vezes, não há como escapar de nossa herança – seja ela qual for. Alicia Pereda Saul, maranhense, doze anos, é filha do bailarino cubano Jose Pereda e de Olinda Saul, bailarina, fundadora e diretora do Ballet Olinda Saul, em São Luís, Maranhão.  “Não me lembro de mim sem fazer balé”, diz ela que, segundo a família, começou a frequentar salas de aula no primeiro ano de vida. Tem se destacado pela potência e disposição ao trabalho.

Além do desejo, herdou também as proporções físicas privilegiadas para o balé clássico, longos braços e pernas, pés desenhados, além de ser esguia. Como toda bailarina, sabe que o tempo é curto e pretende agora aproveitar sua cidadania cubana para estudar por lá, “quem sabe dançar no Ballet Nacional de Cuba”, ela diz. Seu sonho? Dançar no American Ballet Theater, em Nova York, onde outro brasileiro, Marcelo Gomes, hoje brilha. Ainda falta um bom trecho de estudo, dedicação e perseverança para que o sonho se concretize, mas, para a sorte da dança, Alicia não escapou de sua herança.

Alícia Pereda Saul em ensaio na escola de sua mãe,
em São Luis, Maranhão| Foto: acervo pessoal

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Por uma formação completa

Por Flávia Fontes Oliveira

Patrícia Otto | Foto: acervo da artista
Certo dia, entre uma e outra aula, uma aluna, do alto de seus 11 anos, disse a Patrícia Otto, professora da Escola de Dança do Teatro Guaíra, com a ênfase típica da idade, que gostaria de se tornar “a melhor bailarina do mundo”, mas, para isso, precisaria de sua ajuda. A ousadia da aluna a divertiu por um instante, depois “caiu a ficha”: ficava claro para ela, ali, a importância de seu compromisso e sua responsabilidade como professora.

Patrícia tem uma longa ligação com a Escola do Teatro Guaíra. Foi formada pela mesma escola e, desde 1995, é professora e coreógrafa da mesma instituição. De 2000 a 2005, assumiu ainda o papel de diretora e coreógrafa do Projeto Pré-Profissional do Teatro Guaíra, grupo premiado em diversos festivais. Graduou-se também em Dança pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (curso que atualmente é da Faculdade de Artes do Paraná) e se especializou em Consciência Corporal – Dança na Faculdade de Artes do Paraná.
Tem sede de conhecimento e entende a formação do bailarino de modo amplo: do entendimento do corpo ao conhecimento em diversas áreas. Por isso, prefere chamá-los de cidadãos. Fez aulas fora do Brasil, nos Estados Unidos e França, com professores como Floriane Blitz, Andrej Glegolski, Christian Poggioli, Sergei Soloviev e Jacqueline Fynnaert (barre à terre), mas cita como sua grande mestre Carla Reinecke, com quem trabalhou por 15 anos, primeiramente como aluna e bailarina, mais tarde como sua assistente. “Essa convivência foi de grande relevância na formação da profissional que sou hoje”, diz.

Para completar, também é diretora e coreógrafa do Otto Studio Art.

Com esta entrevista, a Revista de Dança continua a série de conversas com professores-formadores do Brasil. E eles têm muito a falar.


Você é professora de dança na Escola de Dança do Teatro Guaíra. Gostaria que contasse um pouco de seu dia a dia como professora.
Patrícia Otto: Tenho o privilégio de ser professora da Escola de Dança do Teatro Guaíra há cerca de 20 anos, uma instituição de ensino profissionalizante em dança. Pude vivenciar todos os níveis da escola, desde a iniciação ao balé até o aperfeiçoamento, acompanhar o desenvolvimento de cada fase do aluno. Fui me transformando e encontrando minhas “crenças”, meu caminho para orientar os jovens neste universo da arte.
Atualmente trabalho com os níveis intermediários e adiantados e tenho uma paixão especial em trabalhar a dança com rapazes. Não se trata de uma regra, mas a maioria deles vem de uma história de luta, preconceitos, barreiras de todos os tipos, mas também carrega consigo uma sede de vida, de aprendizado, dispostos a se dedicar totalmente nessa caminhada e isso me encanta.

A Bela Adormecida, remontado pela Escola de Dança do Teatro Guaíra
Foto: acervo da artista

Como é sua relação com os alunos?

Morgana Cappellari no solo Ne me quitte pas, de Patrícia Otto
Foto: Cayo Vieira 
Patrícia: Trata-se de um lugar comum, mas faço parte das pessoas que acreditam que não escolheram a dança, mas, sim, foram escolhidas por ela. Da mesma forma, tive a sorte de trabalhar com alunos/bailarinos que me desafiavam todos os dias. Tive uma aluna que, no “alto dos seus 11 anos”, sentada numa cadeira (sem ainda alcançar o chão com os pés), disse-me que precisava trabalhar muito, pois queria ser “a melhor bailarina do mundo”, conhecer o mundo através da dança, e olhou para mim e disse: “eu dependo de você para isso, você pode me ajudar?”. Acredito que naquele momento entendi e aceitei a minha responsabilidade como professora. Como ela, outros tantos alunos me fizeram encontrar caminhos para desenvolver o talento que cada um tinha, mas que precisava ser lapidado. Todas essas situações que a vida me apresentou e apresenta todos os dias me conduziram a um caminho de muito estudo, não apenas da técnica masculina, por exemplo, mas também das questões psicológicas que envolvem o trabalho.
Independentemente da técnica que trabalhamos, sempre tem um ser humano. E, no meu dia a dia como professora, é isso que me inspira. Que me desafia. Como posso contribuir para que esse artista entenda seu corpo, saiba o que está fazendo e, principalmente, como está fazendo. Encontrar maneiras para trabalhar com adolescentes que vivem uma velocidade tecnológica absurda, mas que, para alcançar seu objetivo, seu sonho, o que quer que desejem com a dança, precisam ficar horas numa sala de aula estudando e entendendo seu corpo, o mais perfeito computador já criado. E, principalmente, ser feliz com tudo isso.


Black and White, de Patrícia Otto,
com Daniel Siqueira | Foto: Cayo Vieira
Como são as preparações para estas aulas?
Patrícia: Sempre procuro não ficar presa apenas à técnica que estou trabalhando. Encontro em outros lugares informações que me auxiliam muito no conhecimento do corpo. Acredito que o bailarino precisa de outras imagens para encontrar seu caminho interno para executar um movimento. Por exemplo, um tour en l’air ou uma pirouette en dehors: ficar repetindo um milhão de vezes o mesmo movimento não vai fazer com que ele aconteça. Se conseguir, com certeza terá levado muito mais tempo. Mas pensar o corpo, o porquê não acontece, o que fazer para se reorganizar internamente, a energia que envolve esse corpo tridimensional e a energia que existe dentro dele, como essa mente que vai executar esse movimento está presente, enfim, fatores importantes que não podem ser deixados de lado.
Para isso busco beber em fontes como Pilates, Laban, Klauss Vianna (1928-1992), Bernardo de Rezende (Bernardinho, técnico de Vôlei), Flavio Sampaio e poderia citar outros tantos das mais diversas áreas que me fornecem combustível para criar/recriar maneiras de trazer o melhor de cada um todos os dias. Inclusive o meu melhor.


Em seu principal papel, professora. Foto: acervo da artista

Qual o papel de um bom professor?
Patrícia: Em primeiro lugar é preciso educar – para a arte e para a vida. Existe a educação que é de casa (hoje um pouco esquecida), mas não é a essa que me refiro. Educar para saber lidar com as situações que a vida oferece. Respeitar o outro. Fazer com que os jovens entendam que não existe o errado, existe o diferente. Ensinar a não desprezar o trabalho do outro. Por isso, acho importante os festivais de dança, por exemplo. Competir para conseguir o primeiro lugar para ele ou para a escola não pode ser o objetivo. É importante participar para conviver em grupo, ver o que acontece no mundo da dança, adquirir experiência de palco, lidar com a adrenalina no momento da apresentação, aceitar que às vezes se ganha um troféu, outras não, mas que você sempre ganha quando faz o que ama com responsabilidade, paixão, com prazer. Isso é educar.
Outro ponto é a necessidade de o professor estudar sempre. Mostrar também ao aluno a importância da informação teórica como ferramenta complementar para o desenvolvimento da técnica e da expressividade.
E, por último, porém não menos importante, é ter prazer em trabalhar com os mais diversos tipos físicos. Numa sala de aula, você se depara com um grupo heterogêneo e, para mim, isto é uma riqueza.  Mas também um grande desafio. É responsabilidade do professor não apenas perceber o que cada um tem de melhor e lapidar, mas também instigá-los a buscar o seu melhor.

Na sua opinião, como é a formação no Brasil? Os pontos positivos, os negativos, as diferenças.
Patrícia: Uma coisa interessante no Brasil é que não ficamos presos a uma escola ou a uma técnica específica. Acredito que, quando se transita por diversos universos, você tem a possibilidade de experimentar e escolher o que funciona mais para o seu corpo, desde que seja bem orientado.


Montagem de La Bayadère, na Escola de Dança do Teatro Guaíra
Foto: acervo da artista
 Outro ponto importante é a existência dos cursos superiores em dança. Neste tópico encontro pontos positivos e negativos. Os cursos proporcionam uma informação diferenciada que pode complementar a formação do bailarino principalmente no que está relacionado à docência e à pesquisa em dança, isto é positivo. Vejo como negativo achar que somente quem tem formação superior é detentor de maior conhecimento. Existem grandes profissionais que não possuem um diploma de nível superior e são responsáveis pela alta qualidade da dança em nosso país. Volto à questão educacional: é preciso respeitar a história e os profissionais que a fizeram.

Como professora e coreógrafa, o que chama atenção em um aluno? E o que faz dele um artista?
Patrícia: Sem dúvida nenhuma a sede de vida, o brilho nos olhos. Quando estou assistindo a uma aula ou a um espetáculo, dando cursos, coreografando, às vezes tem aquele bailarino que parece ter um ímã. O meu olhar tenta sair dele, mas é impossível. Uma vontade de olhar e olhar de novo, um “querer mais”. E, para mim, isso só acontece com quem é artista de alma, tem vocação. Já tive alunos com excelentes tipos físicos, mas que eram apenas isso, não aconteciam. Por outro lado, já trabalhei com outros que não eram tão favorecidos fisicamente, mas tinham uma garra, uma felicidade em dançar, um brilho especial que conquistaram seu espaço e seus ideais. Isto é vocação. Quando existe a vocação e o talento físico, é perfeito.
Agora uma coisa é certa: ter uma boa cabeça para saber fazer as escolhas certas é essencial. Se não para mim não vale a pena. Dedico todo o tempo e conhecimento aos meus alunos, mas se percebo que ele está fazendo escolhas erradas (e isso inclui drogas, atitudes, etc) e percebo que ele não quer sair deste caminho, mesmo recebendo toda a orientação necessária, nossa história termina ali. A ética e a dignidade fazem um artista ser completo.

Qual maior prazer para um professor?
Natural, de Patrícia Otto,
com Ana Roberta Teixeira
Foto: acervo da artista

Patrícia: Existem vários aspectos prazerosos. Quando você percebe que um aluno está tentando fazer o que você orientou, dedicando-se, atingindo objetivos que ele achava inatingíveis, a felicidade desta conquista, isso é maravilhoso! Acompanhar o amadurecimento do corpo e de um ser humano é muito bom! Ver um grupo de jovens se dedicando nos dias de hoje à arte, é o que me motiva diariamente! Vê-los, depois de anos de convivência, tornando-se boas pessoas e saber que contribuí de alguma forma para isso, me faz ter a certeza de que faço a coisa certa!

Você tem algum sonho? Qual?
Patrícia: Nossa, tenho! Primeiro gostaria que a dança, a cultura em geral, fosse mais valorizada em nosso País! Mas isso todo artista deseja. Mas meu sonho é ter possibilidade de ajudar mais os alunos que não possuem condições financeiras para se dedicar integralmente à dança. Um lugar para alojá-los, com alimentação, estudo, enfim, uma instituição onde eles possam ter tudo o que é necessário para ser um grande artista e um grande cidadão.
Seu aluno Daniel Camargo, em Dom Quixote
Foto: Amir Sfair Filho


Se pudesse, o que mudaria na formação no Brasil?
Patrícia: Gostaria que todos tivessem condições para realizar seu trabalho com dignidade. Que a formação estivesse caminhando lado a lado com a informação, o que nem sempre acontece. Acredito que uma formação mais completa não daria para o mundo apenas artistas de qualidade, mas sim “artistas-cidadãos” de qualidade. E quando digo formação mais completa me refiro à filosofia, à psicologia, à cidadania. Mas acredito que estamos num caminho bem interessante.



Você também é coreógrafa. Como consegue unir as duas formas de trabalho?
Patrícia: Não acho que meu processo de criação esteja muito vinculado ao meu processo de aula.  Nas aulas direciono minhas energias para auxiliar meu aluno a fazer descobertas, (re)descobrir seu corpo. Quando coreografo é outro momento. Às vezes, preciso coreografar algo já definido – é para ser assim e pronto! Outras vezes, tenho a oportunidade de criar com total liberdade, seja de tema, de movimentos. O que existe em comum é que a pesquisa, seja ela qual for (de corpo, bibliográfica, musical, um passeio na rua...), está sempre presente. O pensar a dança! Muitas vezes buscando soluções para a “coreógrafa”, encontro a resposta que a “professora” buscava e vice-versa. Sou privilegiada em trabalhar para uma instituição que me possibilita ser as duas coisas (e outras tantas)! E, principalmente, uma instituição que confia no meu trabalho.

sexta-feira, 10 de junho de 2011

Por que dança é importante para você?

Por Flávia Fontes Oliveira

Milton Coatti em cena de Gnawa, de Nacho Duato
Foto: Alceu Bett | Divulgação
“Ao longo da nossa vida, vamos construindo princípios de educação, responsabilidade, ética, honra. Estes serão os parâmetros regentes de nossas atitudes, decisões e os rumos consequentes disso tudo. Também somos regidos por ideias e a dança surge como clara resposta à altura desse movimento. Não se trata apenas de uma prática física, mas sim de arte. E, para além disso, compreende inúmeros valores que a tornam quase uma filosofia (e torna grandes seus seguidores). Não se trata de praticar dança, mas sim de vivê-la.  Dançar não é ser puramente racional. Surge como uma escolha tão natural, nem parece que foi você quem a fez, tal o nível de importância e o espaço que ela toma em sua vida.”

Milton Coatti, 30, é bailarino da São Paulo Companhia de Dança desde 2008. Nasceu em São Paulo e sua experiência na dança é longa: trabalhou na Cisne Negro Cia. de Dança,  Siameses,  J. Garcia e Cia, Cia. de Danças de Diadema e estagiou na Cia. de Dança Deborah Colker. Participou de projetos como artista independente no Centro Cultural São Paulo, também é coreógrafo. É ótimo intérprete, na cena e nas palavras, porque sabe entender o intervalo entre potência e brandura. Sua resposta dimensiona a avalanche que a dança provoca em quem decide segui - lá.

terça-feira, 7 de junho de 2011

Dica | Priscilla: para todo mundo ver!


Para não deixar de ver em NY: Priscilla | Divulgação Broadway

Por Marcela Benvegnu

Eles, ou melhor, “elas” são um verdadeiro escândalo! Depois de arrebentarem nos teatros da Austrália e de Londres, invadiram a Broadway, em Nova York. A versão musical de Priscilla – A Rainha do Deserto repete a história do filme de 1994, em que duas drag-queens e uma transexual são convidadas para cruzarem o deserto australiano em um ônibus chamado Priscilla. No caminho, surpresas e aventuras que mostram superação e, sobretudo, bom humor. 

Com produção de Bette Midler, direção de Simon Phillips e estrelado por Will Swenson (Mitzi), Tony Sheldon (Bernadette) e Nick Adams (Felícia), o musical é infinitamente melhor do que o filme. 

A trilha sonora é um convite. Impossível sair de lá sem o CD ou mesmo sem cantarolar uma das canções como: Go West, I Will Survive, It’s Raining Men, Material Girl, I Say a Little Prayer, que são brilhantemente interpretadas pelo trio Jacqueline Arnold, Anastacia McCleskey e Ashley Spencer. As coreografias originais de Ross Coleman são simples, porém, muito bem executadas por um trio de atores que são obrigados a andar (e dançar) com um sapato plataforma muito maior do que os convencionais. Os figurinos de Tim Chappel e Lizzy Gardiner são de faltar ar, tamanha beleza e brilhos. Por falar em brilho e luz, isso é o que não falta ao musical. 
Mimo: sapato que brilha no escuro


Essa é apenas uma dica para quem estiver procurando o que assistir em NY e tiver que escolher apenas um musical. O ingresso vale a pena.  Ah! Um mimo: comprem o sapatinho que brilha no escuro e é na verdade um imã ($ 8 dólares) e o copo de refrigerante ($ 5 dólares), que é de plástico resistente e você leva para casa. E não vale esquecer de pegar a sua Playbill colecionável para ler e reler depois.

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Reflexão | JAZZ DANCE: a técnica como resultado da preservação do estilo

Por Marcela Benvegnu

Shaft Revisited de Sue Samuels: jazz em essência  | Foto: Jan La Salle.
No Brasil, quando assistimos a um trabalho inscrito na categoria de jazz dance e ele é na verdade uma coreografia de dança contemporânea, nos questionamos o por quê daquela obra estar ali. Onde está o swing, a tradução literal do jazz? Como a cada dia as linguagens estão mais híbridas e se ouve que “na dança tudo pode” cria-se essa confusão, que num primeiro momento até parece adequada já que não temos uma companhia de jazz profissional - os referenciais do gênero estão nas décadas de 1980 e 1990 -  e não existe uma sistematização do gênero no Brasil. Porém, no jazz, a forma de que tudo pode não se aplica. 

O questionamento (antigo) volta à cena: O jazz morreu ou se transformou? O que é um puro trabalho de jazz? Aquele que usa a técnica tradicional para se organizar ou aquele que usa a técnica para criar outras formas de movimentação sem fugir do estilo original? Ambos. O jazz tem técnica (Fosse, Luigi, Giordano, Cole, Dunham, Mattox, Robbins e outros), está longe de morrer porque passou por um processo natural de transformação.  

O que falta aos coreógrafos hoje se chama técnica. Com o domínio da mesma, esses professores podem transformar o que até então era chamado de tradicional em contemporâneo, mas sem sair do estilo, sem deixar de fazer jazz dance. Será que, por exemplo, as contrações de Luigi ou os pas de boureés com braços abrindo e fechando de Giordano já foram vivenciados no corpo dos professores de jazz? Sem técnica não se dança (nada).  

Não é só no Brasil que ela está em falta. No dia 21 de junho, a sala 5 do Alvin Ailey Studio (The Ailey Studios at The Joan Weil Center for Dance), em Nova York, foi sede da primeira edição de 2011 do New York Jazz Choreography Project, dirigido por Marian Hyun e Marete Muenter desde 2007. O projeto pretende preservar o jazz dance e permite que coreógrafos do gênero apresentem seus trabalhos. A direção recebe inscrições de toda a América do Norte e seleciona alguns nomes, visando a diversidade de vertentes das obras para compor o programa de duas edições por ano. A próxima edição está marcada para os dias 12 e 13 de novembro, no Ailey Citygroup Theatre, no Alvin Ailey Studio.

A noite não foi longa, mas difícil. Entre os onze trabalhos apresentados – seguidos de um bate-papo – a maioria pincelava uma movimentação jazzística com muita dança contemporânea. Se o corpo começava a dizer algo, o rosto se fechava. Em outros momentos, a música pedia um tipo de dramaticidade e se via um sorriso fora de lugar. Corpos lindos e alongados mostravam sequências acrobáticas em detrimento da coreografia. 

A luz no fim do túnel foi Shaft Revisited, de Sue Samuels, diretora da Jazz Roots Dance, uma companhia de jazz dance de Nova York, criada em 2009, que se dedica a preservação do jazz tradicional. Sue é uma das fundadoras, ao lado de Jojo Smith, da Jo Jo Dance Factory, que posteriormente se tornou a Broadway Dance Center. Shaft Revisited é um trabalho original de Smith, revisitado agora pela coreógrafa. Não é preciso procurar pelo o jazz. Ele está lá, no corpo dos intérpretes durante todo o trabalho. É técnico, musical, dançado. A coreografia faz com  que o espectador tenha vontade de se juntar ao grupo para dançar. A movimentação é um convite e revela a técnica como preservação do estilo. Shaft Revisited é um jazz tradicional e se assume desta forma. É o jazz em essência. 

Se os coreógrafos tivessem essa base no corpo para fazerem o que levam ao palco hoje (sem a confusão do gênero) a nossa pergunta talvez pudesse ser diferente: o jazz acordou ou cresceu? E poderíamos responder: ambos, porque com técnica e dentro do estilo, quase tudo pode.

Leia um pouco sobre história do jazz no Tudo é Dança: Broadway Circuito de Produção.

Fred Astaire

Por Flávia Fontes Oliveira

Era para ser uma última homenagem ao mês do sapateado, em maio. Continua sendo uma homenagem, embora a data não sirva mais.

Para mim, a fineza de Fred Astaire (1899-1987) sobrevive nos filmes na fixação de parecer fácil, como se sua dança e sua música fossem algo do dia a dia - mesmo que os registros indiquem que ele era perfeccionista, quase a ponto de deixar a equipe maluca, repetindo incansavelmente até chegar ao que acreditava ser o melhor.

Com Ginger Rogers (1911-1995), sua parceira em dez filmes, desenhou a dança nos filmes, como declarou Gene Kelly (1912-1996). A partir de sua naturalidade de fazer a dança como parte da narrativa, chamou atenção para seus atributos de intérprete e contribuiu para o gênero no cinema. Ele não apenas dançava, mas fazia (e faz) acreditar nos seus sentimentos, nos seus romances.

Apesar dos inúmeros filmes com Ginger Rogers, gosto muito de Meias de Seda (1957), com Cyd Charisse (1921-2008). Ele já não é tão novo, mas é sedutor e bem-humorado, cada passo parece ser perfeito – separei um vídeo abaixo.

Antes de finalizar, foi relançado recentemente o livro The Fred Astaire & Ginger Rogers Book (EP Dutton), de uma das minhas críticas favoritas, a americana Arlene Croce, crítica de dança da revista New Yorker de 1973 a 1998. Vale um comentário em outro post. Aguardem.


quarta-feira, 1 de junho de 2011

Programe-se | Convite

Por Flávia Fontes Oliveira

O programe-se desta semana é especial. Marcela Benvegnu, minha sócia querida nesta empreitada, dará um curso neste fim de semana, dias 4 e 5, em Piracicaba – sua segunda cidade natal.

O tema é História da Dança, como parte do projeto de formação extensiva do PiraproDança (Programa Anual de Dança de Piracicaba), e também é gratuito. O curso lança novos diálogos e formas de olhar a produção atual de dança pelo recorte oferecido pela Marcela. Em debate, questões relacionadas às origens e ao desenvolvimento da dança cênica ocidental, seus desdobramentos em manifestações, movimentos e espetáculos.

O conteúdo prevê as seguintes abordagens: nascimento do balé (Renascença), balé de ação, os balés brancos (período romântico), era Diaglilev, dança moderna, expressionismo na dança, dança pós-moderna, dança contemporânea, dança-teatro, performance, vídeo-dança, sapateado, jazz dance e musicais, danças urbanas, dança no Brasil e festivais/companhias.

São 40 vagas e, para se inscrever, o email é formacaoextensiva@piraprodanca.com.br
É preciso enviar currículo e carta de interesse. Eu aposto que será incrível!