sábado, 20 de agosto de 2011

Dança em família


Por Flávia Fontes Oliveira

Guivalde de Almeida | Foto: divulgação
A Especial Academia de Ballet comemora, neste fim de semana, seus 40 anos, com uma apresentação reunindo antigos e novos bailarinos, no Theatro São Pedro (serviço abaixo), em São Paulo. À frente da escola paulistana hoje está Guivalde Almeida, 40, filho de Aracy de Almeida, quem começou toda a história. Ela ensina dança há quase 50 anos e, apesar de hoje ter deixado a escola por conta do filho, não parou e cuida do Studio Aracy de Almeida, na Praia Grande, litoral de São Paulo.

Em São Paulo, depois de a família vender o prédio de três andares no Tatuapé, onde funcionava a Especial, e ter tentando alguns anos se estabelecer no bairro vizinho da Mooca, este ano voltaram ao primeiro bairro. “O público é daqui do bairro”, diz Guivalde.

A mãe influenciou os caminhos do filho que, nas suas palavras, não consegue “nem dizer o que pesou na decisão”. É o único dos três filhos a seguir os passos da mãe, de quem recebeu sua formação. Sua escola ainda recebe estudantes de dança do Brasil inteiro em busca “da boa base” da escola.

Na entrevista a seguir, que faz parte da série de formadores no Brasil, ele nos conta a importância da informação, da preparação do professor e que o conhecimento, transmitido de corpo para corpo, ainda é fundamental na dança.
Alunos em Joinville
Foto: Espetaculum | Alceu Bett

A escola ainda tem alunos de vários lugares?
Tem sim. Aqui tem o metrô que é mais perto (metrô Carrão), é mais fácil de chegar. Mas, hoje, acho que mudou muito. Quando comecei, as pessoas saíam mais para fazer aulas em outras escolas. Agora tem a comodidade de querer fazer balé perto de casa.
Por outro lado, ainda temos aqui na escola gente do Brasil inteiro: Pará, Mato Grosso, Rio de Janeiro, Bahia, interior de São Paulo, Minas Gerais.

Você é administrador e dá aulas?
Agora eu tenho uma sócia que cuida da parte administrativa. Eu dou aulas.

O que você destaca no papel que a escola vem desempenhando há 40 anos?
A dança, para mim, é muito visual. Eu dou aulas aqui e em outras escolas e sou o mesmo professor. Mas, na escola, sinto que os alunos vêem uns aos outros e, como já passaram excelentes bailarinos por aqui, os mais novos se espelham neles.
Vamos fazer 40 anos e os bailarinos que dançaram conosco estão sempre em contato com a escola e o aluno novo vai criando um patamar de observação, que vai subindo. Eu e minha equipe colocamos uma grande carga de responsabilidade nos alunos que não é todo mundo que agüenta. Mas tentamos mostrar aos alunos que é feito um trabalho muito sério.
Eu costumo falar, quando pais vêm me perguntar, que aqui é uma escola, não damos talento a ninguém, trabalhamos com vários corpos, várias cabeças, formas de pensar. O que podemos dar é formação e o aluno vai ter uma boa base para que ele, se quiser, um dia abrir uma escola ou ser um ensaiador ou atuar em outras áreas porque realmente oferecemos um trabalho de base forte.
Neste trabalho de base oferecido aqui claro que surgiram pessoas extremamente talentosas, que estão dançando por aí. O importante é ter essa responsabilidade, fazer o melhor, não fazer por dinheiro (claro que precisamos sobreviver), mas tem de buscar qualidade, não adianta.

Na sua opinião, ainda existe um determinado tipo físico para a dança?
Quando o balé clássico foi criado, era totalmente voltado a determinado tipo de físico, para determinadas pessoas. A escola de balé foi criada para o rei e fazia balé quem o rei deixasse. Quando surgiram as primeiras escolas pagas, aconteceu uma mudança de mentalidade. As escolas de metodologia, elas foram baseadas em determinados físicos: pessoa precisava ter en dehors, bacia aberta, visualmente com pernas longas, curvatura do pé acentuada, tanto homem quanto mulher, para conseguir uma linha bonita. O mundo foi mudando e as pessoas que não tinham nada disso começaram a fazer balé. O próprio ser humano foi achando um caminho diferente para o balé. Fora do Brasil, nessas grandes escolas, Cuba, Ópera de Paris, Rússia, eles têm o hábito de trabalhar com este determinado físico. Eu acho que o professor brasileiro sai na frente porque precisa trabalhar com vários tipos de corpo. Por exemplo, se eu trago um professor da Ópera de Paris para preparar alguns alunos meus, ele terá dificuldades. Como trabalhar uma pessoa que não é en dehors, que não tem perna alta?

Como é ser professor hoje?
Para mim, hoje é inaceitável um professor não buscar informação. Se a pessoa não aprende balé direito, ela pode ter sérios problemas físicos. Antigamente você até conseguia enganar o seu aluno, hoje não dá. Claro que sempre vou fazer o que eu acredito que seja o melhor. Eu sou professor, é o meu trabalho. Mas eu sinto na aula que os alunos me cobram, pelo menos aqui na escola. Eles fazem três aulas por dia, clássico, contemporâneo, pas de deux, ensaiam, tomam bronca o dia inteiro. Se você está na sala de aula, eles estão exigindo, exigindo. O professor tem que estar ligado em tudo, tem que estar 100% com seu trabalho.

Aluna da Especial | Foto: divulgação
Com tanta informação disponível, o que o professor ensina?
O balé não é fazer, mas como fazer. Eu não fui bailarino profissional na minha carreira, estudei balé, mas eu achava e minha mãe também que não tinha talento para seguir carreira. Eu me especializei em dar aula.
Eu faço montagens de balé hoje e, se eu não tivesse vivido na pele, ouvido o ensaiador falar, visto pessoas fazerem do meu lado, eu não teria capacidade de fazer.  O importante é saber o que você está dançando, qual a história que está dançando, o que você está querendo me dizer. Porque o balé clássico não é uma arte só física. Um bom bailarino transcende o que ele faz.
Se o coreógrafo ou o professor não passar ao aluno o que tem a dizer ou o que quer dizer com isso, vai ser uma coisa chata. Se ele não sabe o que está fazendo com aquilo, não é natural.
Por exemplo, Giselle tem uma história. Não adianta, a bailarina fazer sautée na ponta, fazer um penché lindo e não expressar nada. Se você sentar uma hora e meia em um teatro para assistir a Giselle e os bailarinos não saberem o que estão fazendo ali, é muito chato.
Com tanta informação, muitos bailarinos já sabem as coreografias, mas ter informação é uma coisa e como a pessoa usa isso para ser um bailarino, é outra. Todos precisam de uma direção para orientar a carreira.
Antigamente, por exemplo, muito se falava em Margot Fontain, mas poucos a tinham visto dançar, as grandes estrelas eram pessoas muito distantes da nossa realidade. Hoje todos sabem quem é Makarova, Para mim, existe um lado ruim, as pessoas acabam banalizando a informação.

E o papel do professor?
Nós temos um papel muito difícil, o professor vende um sonho. Como posso falar para o aluno: entra no balé que você vai ser bailarino(a)? As pessoas nem imaginam como é nosso mundo.
Tem criança que, quando é pequena, é uma graça, de repente, ela vai ficando grande, vai ficando feia, não sobe na ponta mais. E tem criança que você não dá nada e vai se desenvolvendo de uma forma linda.
Para mim, a dança está 90% na cabeça. Claro que você tem que ter uma mínima proporção física para dançar, a mínima estética para entrar em um palco. Mas a cabeça muda até o seu corpo porque a pessoa trabalha de uma forma que sempre vai saber mostrar o que tem de bonito.
Às vezes a pessoa tem um físico lindo, tudo lindo, mas a cabeça não funciona e ela nunca vence. Claro que o físico é importante, mas o bailarino de cabeça boa chega longe, tem mais resultados do que outros dentro de uma companhia. O professor, diretor coreógrafo sempre vai preferir trabalhar com alguém que dê retorno a ele.

O que você gosta de uma sala de aula?
Eu gosto de trabalhar com gente que está interessada em aprender. Mas o que gosto de trabalhar em sala de aula é a parte de cima do corpo, o tronco. Acho que o bailarino tem que ter braços lindos. Eu valorizo muito o aluno que sabe se movimentar, que usa a lateralidade do corpo, que usa os braços de forma bonita, não faz apenas os passos, tripla pirueta, grandes saltos. É importante porque a técnica um dia falha, mas, se você é um bailarino bem preparado na forma de dançar, na forma de se movimentar no espaço, você sempre vai dançar bem.

O que te emociona?
O que eu queria era um dia sentar em teatro e não saber nada de dança, queria só sentir o que as pessoas sentem, elas não ficam vendo se o pé está “solto”, se não está rodando. Quando consigo me sentar e me desvencilhar de tudo que eu fico olhando, o balé em cena me emociona. Também me emociona bailarino que dança com a alma.   

E na sala de aula, o que te emociona?
Quando você consegue atingir seu objetivo. O trabalho de dança traz resultado a longo prazo. Para a geração de hoje, tudo é muito fácil: quando a escola pede um trabalho, o aluno entra na internet e está praticamente pronto. Mas na arte, em geral, tudo é a longo prazo. Se alguém quer ser um bom pianista, não dá para fazer oito anos de aula e achar que é bom pianista. Um problema aqui na Escola, e acho que mundial, é que as pessoas acham que fizeram um ano de balé e já sabem. O professor olha para a pessoa e sabe que ela não está nem engatinhando no balé. Por isso, o que me emociona na sala de aula é que depois de muito trabalho, você vê resultado.
Aqui na escola temos pré-profissionais, ainda não temos profissionais, e é muito legal trabalhar com essa faixa porque você vê a mudança deles. , é muito bom, compensador.

Qual a preparação do bailarino na escola?
Depende do nível. Os níveis mais avançados, depois do sexto ano, fazem aulas diárias. O avançado tem duas aulas de balé por dia, fazem aulas de contemporâneo duas vezes por semana, aula de ponta uma vez por semana, adágio, pas de deux e aula de variação clássica (repertório). É um trabalho grande, de muita dedicação, são pelo menos 4 horas por dia.
  
Você dá aulas para todos os níveis?
Por incrível que pareça, eu acho muito difícil ensinar o passo. Têm pessoas especializadas para isso. Se em uma aula você faz um assemblé, uma criança de nove anos vai te copiar. Eu mostro e a criança copia, mas o professor para esta idade tem que ser especializado em ensinar, como faz, empurra o pé no chão, tem exercícios preparatórios para você fazer determinados exercícios. Para dar aula para crianças, você precisa ser especializado nisso. Isso é muito importante porque o bailarino não chega no nível adiantado cheio de vício, porque o bailarino com vício é pior do eu o que não sabe nada.

Como você foi parar na dança?
Pela família. Eu sou o único dos três filhos que seguiu a carreira. Desde que me conheço por gente, estou em uma sala de aula. Não sei nem falar o que pesou na minha decisão. Sempre acompanhei minha mãe. Eu me lembro que, com nove anos, via todos os balés que passavam pela cidade.
Comecei a fazer aula com mais ou menos 10 anos. Não segui carreira de bailarino porque para os padrões atuais, eu era baixo e ia encontrar muitas dificuldades. Minha mãe me desencorajou, não sei se foi bom ou ruim. Mas logo comecei a gostar de corrigir, eu sempre gostei de estudar. Minha vida é balé, é dança, o tempo todo é livro, DVD. Se estou escutando música, estou pensando em balé, pensando em espetáculo, produção.
Remontagens | Foto: divulgação

Vocês se dão bem em sala de aula?
Ela sempre foi muito exigente e acho que estou mais bravo agora. Ela é muito humana. Tem coisas que ela entende e eu não quero entender ainda (risos). Mas somos mãe e filho. Em sala de aula, eu falo mãe. “Oh, mãe” (risos).

Aqui você segue algum método?
O método que eu dou aprendi com minha mãe. O método que minha mãe aprendeu é uma junção métodos, entre eles, Cechetti (italiano) e Vaganova (russo).
Aqui na escola, vivemos em discussão dos passos. Nossa escola não faz o método Royal, mas preparamos os bailarinos para os exames. Ele tem um lado bom, ele limpa muito o aluno, ele obriga que determinados exercícios sejam muito bem feitos. Eu não concordo com muitas coisas, mas tem este lado.
Temos também muito contato com a escola cubada porque fomos a primeira escola brasileira a fazer intercâmbio. Eu aprendi muito com ela também.

Serviço: Theatro São Pedro - Rua Barra Funda. 171. Dias 20 e 21 de agosto, às 20h30.
Informações: 11 3667-0499

Ingressos: 4003-1212 www.ingressorapido.com.br

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