Por Marcela Benvegnu
O sobrenome de Mayara, a mais nova estrela da dança brasileira em todos os sentidos, vai além do Magri. O complemento: Venerando da Graça faz jus ao que ela vem fazendo com o público nos palcos do mundo. Aos 16 anos, a adolescente que mora na Comunidade do Mata Machado, no Alto da Boa Vista, no Rio de Janeiro, se prepara para voar alto: integrar como aluna a Royal Ballet School, em Londres, a partir de setembro de 2011. “Sempre desejei estudar na Royal, por ser uma companhia grande e muito conhecida, e também porque eles me proporcionaram toda a ajuda de custo necessária para a minha sobrevivência no exterior. Isso é maravilhoso. Era tudo que eu precisava até conseguir me sustentar sozinha”, fala Mayara.
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Em Joinville recebendo o prêmio de melhor bailarina | Divulgação |
A vaga para Lausanne foi garantida no Festival de Dança de Joinville, em julho de 2010, quando Mayara foi eleita a melhor bailarina do festival. “Em Joinville foi o início de um sonho, dançar o grand pas de deux de Cisne Negro foi maravilhoso. Fui recompensada por todo trabalho e foi extremamente gratificante”. Quando Mayara foi para Joinville já tinha Lausanne como foco. “Fui com esse intuito. Joinville seria a ponte para o Prix de Lausanne”, completa.
E com a vaga garantida, o trabalho entre setembro de 2010 e fevereiro de 2011 foi intenso. “Eu queria muito ir bem, mostrar aquilo que eu já vinha aprendendo, e que o Brasil já conhecia, mas o exterior ainda não. Ter sido reconhecida desta maneira foi uma emoção inexplicável”. Em Lausanne, Mayara dançou a variação do 1º ato de Coppélia (1870), de Arthur Saint-Léon. “É uma variação bem diferente de Cisne Negro. Tive muitos ensaios nas férias, nada de praia, nada de comida liberada. A alimentação teve que ser muito regrada e saudável, mas foi um esforço que valeu muito a pena. A organização do concurso é indescritível e toda a estrutura e o suporte que os bailarinos recebem, perfeitos. O Prix de Lausanne é hoje o maior concurso do mundo em aspectos gerais.”
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Na variação de Coppélia, em Lausanne | Divulgação Prix |
Mesmo com a bolsa garantida para a Royal Ballet, Mayara embarcou para Nova York, em março, para participar de outro importante concurso, o Youth America Grand Prix, que também premia com bolsas de estudo jovens talentos. Como já era esperado, conquistou a todos. Primeiro lugar novamente. “No YAGP interpretei a variação de Cisne Negro que era a variação proposta desde o início pelos meus professores para ser trabalhada e dançada durante o ano. A variação foi um presente para mim, afinal, que bailarino nunca sonhou em dançar O Lago dos Cisnes? Apesar de nunca ter tido um balé preferido, porque acho que temos que ser versáteis como bailarinos, tenho um carinho por essa peça e realizei parte do meu sonho”, conta.
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Ainda em Lausanne: coreografia contemporânea | Divulgação Prix |
OLHAR PARA O MUNDO – Mayara sempre gostou de dançar, mas como tem outras duas irmãs, ficava difícil para os pais sustentarem artisticamente as meninas. Foi por intermédio de uma amiga que Mayara conheceu o projeto social Dançar a Vida, da Escola de Dança Petite Danse. “Quando entrei para a Petite Danse, eu e minhas irmãs tivemos total apoio financeiro do projeto, o que foi um alívio para meus pais, já que não tínhamos condições de pagar”, revela. “Quando comecei, não tinha essa vontade de ser profissional de dança. Fazia aulas porque eu gostava. Essa minha visão profissional chegou quando eu fui para a Cia. Petite Danse e comecei a dançar em festivais do Brasil e do exterior, embora a Nelma Darzi, dona da Petite Danse, sempre tivesse dito para minha mãe que eu seria uma grande bailarina.”
Mayara acredita que tenha se apaixonado por balé por conta dessa mistura entre interpretação e técnica. “Para mim, a carga interpretativa sempre foi o lado mais trabalhoso, pois a técnica nós trabalhamos no dia a dia, em aulas, e a interpretação nem sempre. Por exemplo, interpretei o papel de Giselle (1841), de Jean Coralli e Jules Perrot, ainda muito nova, mas este também foi um trabalho de muito aprendizado, já que aos 14 anos eu teria um personagem tão carregado, emocionalmente falando. Giselle e Odile são personagens completamente diferentes. Ambos muito difíceis e também muito gostosos de fazer. Depois destes papéis que me foram propostos, não consigo viver sem a dança por perto”.
No pas de deux de Cisne Negro | Divulgação Stars Dance |
A bailarina tem consciência de que as privações valem a pena. “Penso que tudo que fiz, todo esforço, todas as vezes que deixei de comer um chocolate, todas as vezes que deixei de sair com meus amigos da escola e perdi meus fins de semana e feriados, nada foi em vão. Acredito que tudo tenha dado certo pela disciplina e pela responsabilidade que tive com aquilo que me propus a fazer desde tão jovem. E eu só tenho a agradecer a todos que me ajudaram e me apoiaram, pois não consegui nada disso sozinha”.
O desafio em Londres é, na verdade, um medo. “O meu maior medo é perder a humildade que me ensinaram tanto, pois acho que se eu esquecer isso será impossível crescer na vida, principalmente no mundo da dança. Quero me dar bem no Royal, e conseguir fazer uma carreira sólida. Sonho em melhorar financeiramente para poder ajudar meus pais no que eles precisarem já que eu fui ajudada por eles e também ajudar o projeto social da Petite Danse, foi ele que me deu a oportunidade de estudar dança gratuitamente. Quero ser feliz fazendo aquilo que eu realmente amo, que é dançar.”