sexta-feira, 17 de junho de 2011

No espaço do entre | Crítica New York, New York


Por Marcela Benvegnu

Este é meu primeiro texto em primeira pessoa para a Revista de Dança. Talvez seja o único. Já dizia Bento Prado Junior em seu livro Sereia Desmistificada que o crítico habita o intervalo, o espaço que separa público e espetáculo. E questiono aqui qual seria o papel do crítico quando ele habita o espaço do entre o público e a melhor amiga no palco? Não criticar? Seria essa a resposta mais ética? Cabível então é me colocar neste lugar (de público e de melhor amiga), e entender que é possível olhar para o espetáculo criticamente, mesmo recebendo informações privilegiadas sobre ele. Como diz a letra de My Way, de Claude François , Jacques Revaux e Paul Anka, uma das canções do musical New York New York,  é preciso aqui “dizer as palavras que verdadeiramente sente”.

Fui no sábado, 11, pela segunda vez assistir a montagem com direção artística de José Possi Neto (que na sequência já dirigirá Cabaret, com Claudia Raia como protagonista), e direção musical de Fábio Gomes de Oliveira, no Teatro Bradesco, em São Paulo. Esta é a primeira versão musical do texto baseado no livro do escritor americano Earl MacRauch. O romance ganhou adaptação para cinema em 1977, com direção de Martin Scorsese e interpretação de Liza Minnelli e Robert De Niro. A trama conta a história de amor entre a cantora Francine Evans (Alessandra Maestrini) e o saxofonista Johnny Boyle (Juan Alba) na América do pós-guerra, no auge das big bands dos anos 30 e 40. 

Maestrini e Alba: os protagonistas de NY NY | Foto: Divulgação
 A casa que parecia vazia faltando dez minutos para o início a apresentação se transformou. O teatro estava lotado e o público receptivo. Sinal que, quase ao final da temporada, com dois espetáculos aos sábados, a peça tem fôlego e, claro, temos público para musicais, um fenômeno recente em terras brasileiras.

A peça, uma comédia romântica, que começa num 2 de setembro de 1945, tem roteiro atual, diferente do seu próprio tempo, com uma pitada de humor, que transforma o então moderno em contemporâneo, sobretudo, pelas projeções presentes. As músicas (entre elas Sing Sing, de Benny Goodman, e claro, New York, New York, de John Kander e Fred Ebb) são cantadas em inglês, o que nos poupa de uma tradução que faça com que a obra ganhe outros contornos. Porém está presente e é bem colocada num lettering no palco, a não ser em Fever, quando a inteligente Simone Gutierrez (Srta. Perkins), protagoniza Fever e seu texto em primeira pessoa é transformado pelo lettering em terceira. Dá outro sentido. Faz diferença. 

Simone Gutierrez em Fever: um dos melhores momentos | Foto: Divulgação
   
 É interessante notar como as coreografias de Anselmo Zolla e Kika Sampaio já estão incorporadas ao corpo dos bailarinos. Na pré-estreia, em 11 de abril – exatos dois meses - , os bailarinos ainda precisavam se moldar ao movimento. A dança ainda não estava incorporada. Hoje isso é diferente. Eles já tem a autonomia do gesto e estão bem ensaiados. Os destaques ficam para a coreografia de Zolla com o elenco masculino em Fever, uma sequência elouquente e ritmada no chão, e o trem uma delicada e simples coreografia de sapateado de Kika Sampaio que dialoga com a projeção de um trem atrás dos bailarinos.  É sutil e poética.

Parte da dramaturgia da cena está relacionada à iluminação brilhantemente conduzida que cria diferentes ambientes num mesmo espaço sem comprometer a cena. Os figurinos, leia-se Atelier Chris Daud para Claudeteedeca e Miko Hashimoto, fazem bem aos olhos, com destaque para os sapatos bicolor.

Alessandra Maestrini, protagonista, dona de uma excelente atuação pode “não chacoalhar os ossos” como diz, mas não precisa. Ela faz o que quer, pensa e bem entende com a sua voz. Linda de ver e ouvir.

Seja com os Goldens Boys, no The Palm Club, Harlen ou na Pensylvania Station é possível ver ali a potencialidade de cada bailarino e o mérito do diretor em trabalhar o que cada um tinha de melhor e colocar isso em forma de espetáculo no palco. Aqui entra a minha melhor amiga. Christiane Matallo sapateia e toca saxofone tenor há mais de 15 anos. Isso não é uma novidade para mim. Midnight Voyage a música que une sax tenor e sapatos faz parte do seu repertório. Consigo ver de olhos fechados. Mas como é interessante reconhecer aquilo até então familiar para mim dentro de outro contexto, maior. É aqui que está o entre. O diretor usa seu corpo como instrumento da personagem e sua técnica a favor do musical.
Christiane Matallo: primeira mulher da direita para esquerda: placas no pé | Foto: Divulgação
E mais uma vez, na voz do texto da montagem, como diz o professor de sapateado de Francine Evans, que a gente “continue dançando” aqui ou em Nova York e, sobretudo, se reconhecendo no palco, mesmo quando lá em cima, entre a plateia e a quarta parede também está um pedaço de você.

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