Shaft Revisited de Sue Samuels: jazz em essência | Foto: Jan La Salle. |
No Brasil, quando assistimos a um trabalho inscrito na categoria de jazz dance e ele é na verdade uma coreografia de dança contemporânea, nos questionamos o por quê daquela obra estar ali. Onde está o swing, a tradução literal do jazz? Como a cada dia as linguagens estão mais híbridas e se ouve que “na dança tudo pode” cria-se essa confusão, que num primeiro momento até parece adequada já que não temos uma companhia de jazz profissional - os referenciais do gênero estão nas décadas de 1980 e 1990 - e não existe uma sistematização do gênero no Brasil. Porém, no jazz, a forma de que tudo pode não se aplica.
O questionamento (antigo) volta à cena: O jazz morreu ou se transformou? O que é um puro trabalho de jazz? Aquele que usa a técnica tradicional para se organizar ou aquele que usa a técnica para criar outras formas de movimentação sem fugir do estilo original? Ambos. O jazz tem técnica (Fosse, Luigi, Giordano, Cole, Dunham, Mattox, Robbins e outros), está longe de morrer porque passou por um processo natural de transformação.
O que falta aos coreógrafos hoje se chama técnica. Com o domínio da mesma, esses professores podem transformar o que até então era chamado de tradicional em contemporâneo, mas sem sair do estilo, sem deixar de fazer jazz dance. Será que, por exemplo, as contrações de Luigi ou os pas de boureés com braços abrindo e fechando de Giordano já foram vivenciados no corpo dos professores de jazz? Sem técnica não se dança (nada).
Não é só no Brasil que ela está em falta. No dia 21 de junho, a sala 5 do Alvin Ailey Studio (The Ailey Studios at The Joan Weil Center for Dance), em Nova York, foi sede da primeira edição de 2011 do New York Jazz Choreography Project, dirigido por Marian Hyun e Marete Muenter desde 2007. O projeto pretende preservar o jazz dance e permite que coreógrafos do gênero apresentem seus trabalhos. A direção recebe inscrições de toda a América do Norte e seleciona alguns nomes, visando a diversidade de vertentes das obras para compor o programa de duas edições por ano. A próxima edição está marcada para os dias 12 e 13 de novembro, no Ailey Citygroup Theatre, no Alvin Ailey Studio.
A noite não foi longa, mas difícil. Entre os onze trabalhos apresentados – seguidos de um bate-papo – a maioria pincelava uma movimentação jazzística com muita dança contemporânea. Se o corpo começava a dizer algo, o rosto se fechava. Em outros momentos, a música pedia um tipo de dramaticidade e se via um sorriso fora de lugar. Corpos lindos e alongados mostravam sequências acrobáticas em detrimento da coreografia.
A luz no fim do túnel foi Shaft Revisited, de Sue Samuels, diretora da Jazz Roots Dance, uma companhia de jazz dance de Nova York, criada em 2009, que se dedica a preservação do jazz tradicional. Sue é uma das fundadoras, ao lado de Jojo Smith, da Jo Jo Dance Factory, que posteriormente se tornou a Broadway Dance Center. Shaft Revisited é um trabalho original de Smith, revisitado agora pela coreógrafa. Não é preciso procurar pelo o jazz. Ele está lá, no corpo dos intérpretes durante todo o trabalho. É técnico, musical, dançado. A coreografia faz com que o espectador tenha vontade de se juntar ao grupo para dançar. A movimentação é um convite e revela a técnica como preservação do estilo. Shaft Revisited é um jazz tradicional e se assume desta forma. É o jazz em essência.
Se os coreógrafos tivessem essa base no corpo para fazerem o que levam ao palco hoje (sem a confusão do gênero) a nossa pergunta talvez pudesse ser diferente: o jazz acordou ou cresceu? E poderíamos responder: ambos, porque com técnica e dentro do estilo, quase tudo pode.
Leia um pouco sobre história do jazz no Tudo é Dança: Broadway Circuito de Produção.
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