sábado, 7 de maio de 2011

Giselle 3D: para formar plateias


Natalia Osipova e Leonid Sarafanov em Giselle | Divulgação

 
Por Marcela Benvegnu

Renato* deve ter uns 35 anos. Talvez ele nunca tenha visto um balé de repertório ao vivo, porém, era uma das mais de 350 pessoas que lotavam a sala 5, do Shopping Jardim Sul, em São Paulo, na tarde de hoje. Apesar de não ter noção alguma da  história, ele pagou R$ 60 para assistir a um balé no cinema. Sim, no cinema. A UCI trouxe exclusivamente para o Brasil o primeiro balé em terceira dimensão do mundo: Giselle 3D, que fica em cartaz somente até amanhã, domingo, 8, com interpretação da Companhia do Teatro Mariinsky, tendo como solistas Natalia Osipova e Leonid Sarafanov e direção artística de Valery Gergiev.
 
Fator interessante nessa nova forma de divulgar a dança (se é assim que podemos chamar) é o público que valida o preço e esgota os ingressos da atração. A plateia quer conhecer a dança motivada pela inovação do 3D. Mas  a dança é mais forte do que a inovação, caso contrário, o público poderia optar por assistir Rio, de Carlos Saldanha, também 3D e em cartaz nos cinemas. Por falar na versão, ela é realmente fascinante. A sensação que o espectador tem é de estar sentado no palco assistindo ao balé do lado das intérpretes. Os detalhes saltam aos olhos.
 
Renato falou durante todo o filme e, se os seus comentários não fossem interessantes, talvez ele tivesse incomodado (e muito) quem estava ao seu lado. Sua grande preocupação era descobrir o nome da companhia que estava dançando e se Giselle estava ou não morta no segundo ato. Impossível não prestar atenção para tentar entender a forma como ele iria interpretar uma das maiores obras de repertório do mundo sem conhecê-la. 
 
Ele também ficou impressionado com a sequência clássica do segundo ato do balé, no qual as bailarinas atravessam o palco por meio de arabesques. “A perna delas fica dura”, comentou com a namorada. E entre tentativas de descobrir a narrativa e entender a pantomima, no final ele disse para ela: “Agora temos que ver ao vivo”. Pronto, estava aí a missão cumprida do filme-balé.  Formar plateia para dança. A história estava agora em segundo plano porque o que o balé conseguiu foi incitar sua vontade em ir a uma sala de espetáculo para assistir dança ao vivo, independentemente do estilo, e, na maioria dos casos, pagando muito mais barato. 

Natalia Osipova em Giselle | Divulgação
A INTERPRETAÇÃO – A safra de novos solistas do Mariinsky está cada vez mais jovem e forte. Quem viu Natalia Osipova, em Dom Quixote, no Festival de Dança de Joinville (a crítica que escrevi na época pode ser lida aqui) em 2008, se surpreende com ela em Giselle. Seu modo afetado e ainda juvenil deu lugar a uma personagem com carga dramática de peso. A jovem de 26 anos se revelou uma bailarina expressiva e tecnicamente bem trabalhada. Sua cena da loucura (no primeiro ato do balé) chama atenção pela interpretação. Ela, que entrou no Bolshoi em 2004 como integrante do corpo de baile, é hoje uma das primeiras-bailarinas da companhia. 

Osipova se sobressai também por conta do bom partner, Leonid Sarafanov, que interpreta Albrecht. O jovem bailarino se formou pela Kiev State School of Choreography e entrou no Mariinsky em 2002. Com uma técnica impecável, suas baterias e variações fazem o espectador ajustar o óculos 3D para realmente ter a certeza de estar vendo aquilo. Sarafanov é preciso, fluído e o tempo vai lhe dar uma interpretação um pouco mais madura.  O corpo de baile fez jus ao nome da companhia. Um único e grande corpo na cena.  Infelizmente nos créditos finais do filme, o nome dessas bailarinas não aparece e não se sabe ali, quem é quem.

O BALÉ – Giselle é um balé do período romântico, que foi coreografado por Jules Perrot (1810-1892) e Jean Coralli (1779-1854), com música de Adolphe Adam (1803-1856) e libreto de Théophile Gautier (1811-1872). Estreou em 1841, em Paris, e é dividido em dois atos, nos quais o realismo cotidiano dialoga com seres imateriais. O primeiro ato apresenta Giselle, uma jovem que vive em um vilarejo nos campos da França com sua mãe Bertha e, apesar de namorar Hilarion, se apaixona por Albrecht, um nobre disfarçado de camponês. Quando descobre a mentira, Giselle fica inconsolável e morre.  No segundo ato, o amor eterno da garota pelo nobre, que a noite visita seu túmulo, o salva de ter seu espírito tomado pelas willis, que são as mulheres que morreram antes do dia de seus casamentos. Sempre que um rapaz se aproxima, elas o obrigam a dançar até a morte. Na vez de Albrecht, Giselle dança em seu lugar, quebra o encanto das willis e o perdoa.
*Renato é um nome fictício, porém, a situação foi real.

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