quarta-feira, 25 de maio de 2011

Kika Sampaio e o universo dos musicais

Por Marcela Benvegun

Kika Sampaio em cena |
Foto: acervo da artista
Desde 1988 ela divide seu tempo entre o Kika Tap Center, escola que criou em 1982, e o mercado dos musicais no Brasil. “O primeiro musical que assinei como coreógrafa foi a versão paulista de As Noviças, dirigido por Wolf Maia. Depois, em 1989, coreografei, atuei como atriz e bailarina em Cabaret, com direção de Jorge Takla”, diz a coreógrafa Kika Sampaio, em entrevista a Revista de Dança. Hoje, 25 de maio, data em que se comemora o Dia Internacional do Sapateado (leia a matéria que explica a data aqui), preparamos um bate-papo com ela que é referência no assunto. Abaixo, ela conta um pouco sobre este universo, em especial de seu último trabalho: as coreografias de sapateado de New York, New York, musical com direção de José Possi Neto, em cartaz no Teatro Bradesco, em São Paulo. Confira os melhores trechos:

Sua lista de musicais vai além dos que você já citou...
Kika Sampaio: Sim. Para citar alguns coreografei: Não Fuja da Raia (1991), com direção de Jorge Fernando; atuei como atriz e produtora no infantil Chapeuzinho Vermelho (1993), de Flávio de Souza, com direção de Mira Haar; fui assistente de direção e coreógrafa de sapateado de Victor ou Vitória (2001), de Jorge Takla, e entre os mais recentes destaco Gypsy (2010), de Charles Moeller e Claudio Botelho, no qual fui ensaiadora de sapateado do elenco infantil e New York, New York.  Desde 2007 dirijo a KS Cia. de Sapateado, sou colunista de dança do site  www.chezcroque.com.br e preparo um pocketshow com crianças de 8 a 12 anos.

Como é coreografar para musicais? O que você prefere: remontar uma obra ou adaptá-la? 
Kika: Coreografar para musicais é trabalhar em parceria com o diretor do espetáculo, pois você cria a ideia ao lado dele e assim coreografo livremente dentro daquele contexto. Entre a remontagem e a adaptação, acho a remontagem mais difícil, pois temos que ser fiel à ideia original, concordando ou não com o desenvolvimento da obra. É preciso ter respeito, cuidado para que nada seja alterado. A adaptação, apesar de ter a autorização do coreógrafo para pequenas modificações para o elenco, pode dar ou não dar certo, pois você depende do material humano que tem em mãos, mas não me incomodo com isso.  Uma vez que aceito um trabalho, sei das condições e aí temos que aplicar a eficiência para termos o resultado.


Em Cabaret, 1989, atuação como atriz e bailarina |
Foto: acervo da artista
Como você olha para o cenário dos musicais hoje?
Kika: Acho muito bom. É um grande campo de trabalho. Alguns bailarinos, que já estariam fora da cena por conta da idade se resolvessem se dedicar somente a companhias profissionais, têm a carreira prolongada por conta da atuação nos musicais. E, no contraponto, a cada dia aparecem mais jovens que cantam, dançam e interpretam preparados para fazer o trabalho, sem contar que, se os produtores investem nestes grandes projetos, é porque o mercado necessita da existência deles.

RD - Seu último trabalho foi em New York, New York. Você pode contar um pouco da sua experiência?
Kika: Cada trabalho traz diferentes propostas e diferentes diretores. Este em especial foi interessante, pois o Possi dá um valor maior à dança e isto se torna bastante instigante do ponto de vista coreográfico, com suas coerentes intervenções e até criações junto ao corpo de baile. O mais difícil e ao mesmo tempo desafiador neste trabalho talvez tenha sido quando o Possi pediu para eu coreografar trechos de sapateado nas coreografias de Alselmo Zola (que assina as coreografias de dança contemporânea do musical). A experiência foi fantástica, pois, quando temos respeito pelo trabalho do outro, tudo acaba sendo uma enorme tela com pinceladas de duas pessoas criativas, na qual o produto final se revela interessante e divertido. Hoje sentada assistindo ao musical pronto fico muito orgulhosa e feliz por ter vivido mais este aprendizado. 

Qual a dificuldade de coreografar para um elenco que nem sempre tem experiência com sapateado? Como é que você realiza esse trabalho de corpo?
Kika: Aí que é interessante. Como criadora tenho um desafio pela frente: enxergar pessoas com diferentes corpos e entender que milagre na dança não existe. Tenho que entender a proposta do diretor, do maestro, elaborar e aproveitar a criação muitas vezes espontânea que os bailarinos me oferecem e criar sobre este universo. A criação vem da simplicidade e da compreensão daquilo que é oferecido para o coreógrafo.

Uma das cenas mais marcantes de New York, New York é a que chamamos de trem: uma projeção na tela mostra os trilhos de um trem e os sapateadores fazem o som da máquina. O público vem abaixo. Como foi criá-la?
Kika: Foi muito simples. Segundo o Possi e a minha assistente Glaucia da Fonseca, eu vinha falando de um trem que queria fazer, mas não me lembro disso (risos) e de repente tinha nas mãos o desafio de tirar os bailarinos de cena sapateando. Foi aí que o trem veio, simples assim. O resultado do som se completa com a projeção atrás dos intérpretes.

Você é professora de sapateado americano. Como está este cenário no Brasil hoje?
Kika: Bastante diversificado. Se for pensar só no mundo do tap, sapateadores, bailarinos sapateadores, brasilian tap, é pequeno e amplo ao mesmo tempo. Pequeno por ter poucas pessoas capazes de atuar e transformar o sapateado em dança. Amplo, pois alunos e professores adoram se apresentar, então é o que vemos em festivais, mostras. Assim temos a sensação de termos muitos sapateadores. Nos musicais a participação do estilo ainda é pequena, por isso a dificuldade de bailarinos sapateadores. O investimento do bailarino é uma escolha, então não podemos exigir que saibam tudo, afinal o custo se torna caro e infelizmente os bailarinos sobrevivem na maioria das vezes de dar aulas.
Hoje o sapateado continua o mesmo na sua essência. Não vejo gênios no cenário brasileiro e nem grandes coreógrafos, só consigo ver diferentes ideias dentro de um contexto já conhecido por mim há muitos anos. Mas fico feliz de ver o sapateado ainda em destaque, devido aos intercâmbios feitos por algumas escolas.

O Trem, cena de New York, New York | 
Foto: Divulgação 
Você dirige a KS – Companhia de Sapateado que reúne grandes nomes do estilo no país. A KS é um sonho realizado ou ele ainda falta algo nesse caminho?
Kika: A KS é um sonho inacabado. Este ano foi mais difícil porque os integrantes estão em momentos diferentes de vida e não conseguimos nos reunir ainda. É evidente que a falta de patrocínio desanima, uma vez que tenho que bancar o mínimo para a companhia. Então estamos em fase de amadurecimento e pensando quais serão os nossos “Novos Caminhos”. O que tem de ficar claro é: não existem companhias de sapateado no Brasil com patrocínio e que possam literalmente dizer que vivem disso. Eu, pelo menos, não conheço ninguém que fique sapateando oito horas por dia ou fique trancada numa sala fazendo suas pesquisas e discutindo com figurinistas e coreógrafos.  Encontrar-se com alunos algumas horas por semana, criar coreografias e dizer que são uma companhia tem uma porção. O que não é ruim, mas infelizmente estas pessoas não podem se considerar uma companhia ou mesmo coreógrafos. São grupos de sapateado com bons criadores a fim de dançar e isto é bom também, mas é preciso ter esta consciência.

RD – Você acredita na dança...
Kika: Eu amo a dança. Estudei parte da minha vida para ensinar algo que sempre acreditei. Continuo aprendendo com os jovens, assistindo a balés, indo a exposições e lendo bons livros. A idade nos traz a paz do conhecimento. Ainda dou aulas com muito prazer, é isto que sei fazer. Só fico muito magoada quando ainda tenho de provar que não morri e existo com grande orgulho de ter conquistado um espaço neste pequeno mundo dançante. Talvez esse seja o motivo de a cena do Trem (do musical New York, New York) ser aplaudido durante o espetáculo. Talvez ela conte a minha trajetória artística: chego devagar, vou crescendo, fico veloz e continuo caminhando, paro nas estações, mas continuo caminhando...

4 comentários:

  1. Lindo depoimento da kika ! Fico grata de conhecer os grandes sapateadores brasileiros e ver que estamos TODOS buscando ! Tiro o chapéu pela trajetoria e agradeço todo esse inicio que me permite hoje amar a dança e os sapatos de tap dance !

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  2. Kika é um ser especial, iluminada, linda historia de vida, de trabalho e de amor ao que faz.....Parabens querida, pela entrevista, pelo dia e obrigado por vc existir....
    BJAOOOOO a todos e que essa revista tenha uma historia longa e linda como essa...
    RICARDO SCHEIR

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  3. Sou fã da Kika!
    Sabe muito sobre o que faz.

    Mario Roberto

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  4. Genial como sempre... Essas duas valem ouro!
    Beijo gde pra vcs!
    Mandei da outra vez, mas não foi... Então aqui vai!
    Obrigada pelas preciosas palavras.
    Amo ser amiga de pessoas competentes e inteligentes como voces!
    Ju Garcia

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