terça-feira, 31 de maio de 2011

A dança em muitos caminhos

Por Flávia Fontes Oliveira

Manoel Francisco | Foto: acervo do artista
Ele dançou ao lado de Márcia Haydée e Ana Botafogo, sempre teve vocação e aptidão física para o balé clássico; participou de montagens de grandes musicais na Europa, como Cats; suas aulas de balé carregam seu modo elegante de dançar. Manoel Francisco é um artista acima de tudo. No palco novamente, agora ele canta e, pela direção, não é pouco. Toma um Trago e Lava o Coração tem Nana Caymmi no papel de diretora.

A dança tem dessas pessoas que nem sempre são conhecidas e reconhecidas do público além da dança. Uma pena – para os dois lados. Manoel Francisco fez 44 anos em abril, dá aulas no Theatro Municipal do Rio de Janeiro e gosta do que faz. Nesse mundo em que transita, o palco é o ponto de partida – e de chegada. “Palco para mim é religião, trabalho árduo, sério, mas absolutamente prazeroso e necessário”, diz ele nesta entrevista.

Viver da dança é viver apaixonadamente. Sem isso é quase impensável enfrentar os desafios da profissão. Quando isso se une à gentileza, na vida, no palco ou em sala de aula, acontece o caso feliz de nos encantarmos ainda mais por esta arte. Manoel Francisco é assim. Um pouco disso tudo está nesta entrevista. Espero que gostem.

Só para finalizar, depois de me responder tantas perguntas, ele estreou no elenco de Lado B, de João Wlamir, no Centro Cultural dos Correios, no Rio de Janeiro, até dia 5 de junho. Esqueci de dizer, é artista múltiplo

Ensaio no Zurich Ballet | Foto: acervo do artista
Como a dança passou a fazer parte da sua vida?
Fui acompanhar uma amiga à sua aula de balé, no Teatro Guaíra, em Curitiba. No fim da aula, a professora perguntou quem eu era, puxou assunto, me sentou no chão, puxou um pé para cá, uma perna para lá, chamou outro professor para ver. Deve ter visto minhas proporções. Em 10 minutos de conversa, ela me convidou para fazer aula. Eu tinha 12 anos. Antes deste episódio, eu nunca tinha visto balé na vida. Fiquei fascinado com aquele mundo novo e peculiar, a disciplina, a seriedade, mas principalmente a beleza que emanava de tudo. Música e movimento aliados de um jeito tão maravilhoso.

Houve um momento de decisão para levar isso profissionalmente?
Houve sim. Quando descobri que tinha talento para dança, eu me apaixonei seriamente pelo balé clássico. Além de ter cursado uma das melhores escolas profissionalizantes do país, que no meu tempo se chamava Curso de Danças Clássicas da Fundação Teatro Guaíra (hoje Escola de Dança Teatro Guaíra), tive o estímulo dos professores. Fui descobrindo aos poucos a musicalidade, vi que eu iria adorar fazer daquilo minha profissão. Nunca quis ser nada além de artista. Eu me empenhei muito, fazia duas, três aulas por dia. Depois de três anos, recebi um convite para fazer audição para o Balé Teatro Guaíra, na época dirigido por Carlos Trincheiras, e passei. Assinei meu primeiro contrato profissional aos 16 anos. Desde então jamais deixei de trabalhar – e somente com meu ofício de artista.

Com Claudia Mota em O Quebra-nozes
Conte-me um pouco de sua formação, com quem dançou, principais papéis, principais professores.  
Quando fui contratado pelo Balé Teatro Guaíra aprendi como um bailarino profissional se porta e o funcionamento de uma companhia. Mas fui ter uma oportunidade maior já no Ballet do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, um pouquinho mais maduro, aos 18 anos. Fui promovido a primeiro solista e tive lindas oportunidades de dançar primeiros papéis ao lado de estrelas como Ana Botafogo, Cecília Kerche, Nora Esteves, Bettina Dalcanale, Áurea Hammerli, Claudia Mota, Márcia Jaqueline.
Três anos depois parti para a Europa, onde dancei principalmente no Zurich Ballet, sob direção do coreógrafo genial Uwe Scholz (1958-2004). Lá dancei O Lago dos cisnes, O Quebra-nozes, La fille mal gardée, Coppelia, Giselle, A Bela adormecida, Romeu e Julieta, La Sylphide, Dom Quixote, Paquita, Les Sylphides, além de criações de John Cranko(1927-1973), Maurice Béjart (1927-2007) e Uwe Scholz, principalmente. Fiquei 13 anos na Europa, oito em companhias de dança e depois com os musicais Cats e O Fantasma da ópera. Neste momento, a música entrou definitivamente na minha vida, de maneira profissional, depois de ser um bailarino estabelecido na Europa. Também nesse período estive algumas vezes no Japão e no Egito dançando como bailarino convidado. Trabalhei com Desmond Doyle (1932-1991), Tatiana Leskova, Bertha Rosanova (1930-2008), Jane Blauth, Eugenia Feodorova (1925-2007), Isabel Santa Rosa, Aldo Lotufo, Natalia Makarova, Azari Plisetsky, Vladimir Vasiliev, Peter Schaufuss, Richard Cragun, Márcia Haydée, Dalal Achcar, Desmond Kelly, Shonnach Mirk, Fernando Bujones, entre tantos outros.

O que te encantava no palco? Tem alguma lembrança especial?
Palco para mim é religião, trabalho árduo, sério, mas absolutamente prazeroso e necessário. Nele, eu me sinto mais honesto e verdadeiro, o palco me traz felicidade, estímulo na vida. Ser aplaudido por um Theatro Municipal (do Rio de Janeiro) repleto e entusiasmado é uma sensação inesquecível, assim como ter na plateia dos meus shows minha diretora, Nana Caymmi. Da mesma maneira, ser dirigido pela Marília Pêra em dois trabalhos no teatro que coreografei e fui assistente de direção Doce deleite (2008) e A garota do biquíni vermelho (2010) – neste último também atuei - me deixa feliz.

Como foi a passagem de papeis clássicos para musicais? Fiquei um bom tempo na dúvida, questionava tudo, pois eu tinha medo de “perder” a identidade de bailarino clássico, minha rotina mudaria, com certeza. Com a prática, vi que eu não só continuava o mesmo bailarino de sempre, fazendo aulas todos os dias, como também trouxe outras formas de arte para minha vida. Afinal, eu estava em cena não só dançando, mas usando a voz, a palavra. Minha rotina incluía, além de aulas de balé, aulas de canto, ensaios e oito espetáculos por semana...!!! Segunda-feira era o único dia livre que eu tive durante muitos anos.


Com Ana Botafogo |
Foto: acervo dos artistas
Tem algum momento especial para você nesse tempo? Alguma música especial?
Nunca me esqueço da estreia de Cats, em Milão, em estádio para cinco mil pessoas, abarrotado de gente (Lady Di estava na platéia). Poucas vezes fui aplaudido daquela forma e por tanto tempo, uns três minutos, que pareciam três horas. Eu fazia o gato Mr. Mistoffolles e, no fim do meu solo, o público se levantou para aplaudir. Chorei de emoção. A emoção de cantar é diferente, usar a palavra além do corpo faz diferença; é de outra ordem, mas se complementam. Tudo é expressão, sentimento, entrega, arte, veracidade. Claro que toda vez que subo no palco para cantar o bailarino vem junto, não poderia ser diferente, eu nunca vou deixar de ser bailarino clássico.

Atualmente, a canção que anda habitando meu coração, com insistência, é Somos Iguais, da dupla Evaldo Gouveia e Jair Amorim, que fez muito sucesso na voz do grande Altemar Dutra. Esta canção faz parte do meu show Toma um trago e lava o coração, dirigido por Nana Caymmi. Esse show fez nove semanas de temporada no Rio entre janeiro e março deste ano. Vale comentar que tenho o orgulho de ser o primeiro e único artista que Nana aceitou dirigir – outra emoção na minha carreira.

Em Cats, destaque
em jornal francês
Agora cantar é sua dança?
O cantar é outra manifestação do ritmo, da musicalidade que um bailarino necessita ter, obviamente. Meu canto passa pelo corpo. O que me alegra muito é que continuo trabalhando muito com dança, o canto só vem ocupando mais espaço, mas uma coisa não anula a outra, ao contrario, elas se complementam.

Para você, qual o diálogo entre dança e música?
É necessário ouvido, afinação, sensibilidade, musicalidade para exercer os dois ofícios, por isso eu disse que eles se complementam. Mantenho como cantor a mesma disciplina rígida que o bailarino tem.

 
No show Toma um trago e lava o coração |
Foto: acervo do artista

O que é ser professor? Como a dança continua em sala de aula?
Tenho fascínio em ser professor. Poucas coisas me dão mais alegria do que estar em sala de aula com um grupo de gente talentosa, com ouvidos, olhos bem abertos, corpos atentos, querendo absorver informação, burilando a técnica e a interpretação. Dividir o que aprendi, trocar experiência é uma sensação ímpar. Transmitir uma determinada emoção, colocar em um corpo determinado estilo para que aquilo se torne arte, interpretação, não movimento puro. Fico tinindo de felicidade em contribuir, ajudar, ensinar e assim aprender junto e mais a cada dia.

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Kika Sampaio e o universo dos musicais

Por Marcela Benvegun

Kika Sampaio em cena |
Foto: acervo da artista
Desde 1988 ela divide seu tempo entre o Kika Tap Center, escola que criou em 1982, e o mercado dos musicais no Brasil. “O primeiro musical que assinei como coreógrafa foi a versão paulista de As Noviças, dirigido por Wolf Maia. Depois, em 1989, coreografei, atuei como atriz e bailarina em Cabaret, com direção de Jorge Takla”, diz a coreógrafa Kika Sampaio, em entrevista a Revista de Dança. Hoje, 25 de maio, data em que se comemora o Dia Internacional do Sapateado (leia a matéria que explica a data aqui), preparamos um bate-papo com ela que é referência no assunto. Abaixo, ela conta um pouco sobre este universo, em especial de seu último trabalho: as coreografias de sapateado de New York, New York, musical com direção de José Possi Neto, em cartaz no Teatro Bradesco, em São Paulo. Confira os melhores trechos:

Sua lista de musicais vai além dos que você já citou...
Kika Sampaio: Sim. Para citar alguns coreografei: Não Fuja da Raia (1991), com direção de Jorge Fernando; atuei como atriz e produtora no infantil Chapeuzinho Vermelho (1993), de Flávio de Souza, com direção de Mira Haar; fui assistente de direção e coreógrafa de sapateado de Victor ou Vitória (2001), de Jorge Takla, e entre os mais recentes destaco Gypsy (2010), de Charles Moeller e Claudio Botelho, no qual fui ensaiadora de sapateado do elenco infantil e New York, New York.  Desde 2007 dirijo a KS Cia. de Sapateado, sou colunista de dança do site  www.chezcroque.com.br e preparo um pocketshow com crianças de 8 a 12 anos.

Como é coreografar para musicais? O que você prefere: remontar uma obra ou adaptá-la? 
Kika: Coreografar para musicais é trabalhar em parceria com o diretor do espetáculo, pois você cria a ideia ao lado dele e assim coreografo livremente dentro daquele contexto. Entre a remontagem e a adaptação, acho a remontagem mais difícil, pois temos que ser fiel à ideia original, concordando ou não com o desenvolvimento da obra. É preciso ter respeito, cuidado para que nada seja alterado. A adaptação, apesar de ter a autorização do coreógrafo para pequenas modificações para o elenco, pode dar ou não dar certo, pois você depende do material humano que tem em mãos, mas não me incomodo com isso.  Uma vez que aceito um trabalho, sei das condições e aí temos que aplicar a eficiência para termos o resultado.


Em Cabaret, 1989, atuação como atriz e bailarina |
Foto: acervo da artista
Como você olha para o cenário dos musicais hoje?
Kika: Acho muito bom. É um grande campo de trabalho. Alguns bailarinos, que já estariam fora da cena por conta da idade se resolvessem se dedicar somente a companhias profissionais, têm a carreira prolongada por conta da atuação nos musicais. E, no contraponto, a cada dia aparecem mais jovens que cantam, dançam e interpretam preparados para fazer o trabalho, sem contar que, se os produtores investem nestes grandes projetos, é porque o mercado necessita da existência deles.

RD - Seu último trabalho foi em New York, New York. Você pode contar um pouco da sua experiência?
Kika: Cada trabalho traz diferentes propostas e diferentes diretores. Este em especial foi interessante, pois o Possi dá um valor maior à dança e isto se torna bastante instigante do ponto de vista coreográfico, com suas coerentes intervenções e até criações junto ao corpo de baile. O mais difícil e ao mesmo tempo desafiador neste trabalho talvez tenha sido quando o Possi pediu para eu coreografar trechos de sapateado nas coreografias de Alselmo Zola (que assina as coreografias de dança contemporânea do musical). A experiência foi fantástica, pois, quando temos respeito pelo trabalho do outro, tudo acaba sendo uma enorme tela com pinceladas de duas pessoas criativas, na qual o produto final se revela interessante e divertido. Hoje sentada assistindo ao musical pronto fico muito orgulhosa e feliz por ter vivido mais este aprendizado. 

Qual a dificuldade de coreografar para um elenco que nem sempre tem experiência com sapateado? Como é que você realiza esse trabalho de corpo?
Kika: Aí que é interessante. Como criadora tenho um desafio pela frente: enxergar pessoas com diferentes corpos e entender que milagre na dança não existe. Tenho que entender a proposta do diretor, do maestro, elaborar e aproveitar a criação muitas vezes espontânea que os bailarinos me oferecem e criar sobre este universo. A criação vem da simplicidade e da compreensão daquilo que é oferecido para o coreógrafo.

Uma das cenas mais marcantes de New York, New York é a que chamamos de trem: uma projeção na tela mostra os trilhos de um trem e os sapateadores fazem o som da máquina. O público vem abaixo. Como foi criá-la?
Kika: Foi muito simples. Segundo o Possi e a minha assistente Glaucia da Fonseca, eu vinha falando de um trem que queria fazer, mas não me lembro disso (risos) e de repente tinha nas mãos o desafio de tirar os bailarinos de cena sapateando. Foi aí que o trem veio, simples assim. O resultado do som se completa com a projeção atrás dos intérpretes.

Você é professora de sapateado americano. Como está este cenário no Brasil hoje?
Kika: Bastante diversificado. Se for pensar só no mundo do tap, sapateadores, bailarinos sapateadores, brasilian tap, é pequeno e amplo ao mesmo tempo. Pequeno por ter poucas pessoas capazes de atuar e transformar o sapateado em dança. Amplo, pois alunos e professores adoram se apresentar, então é o que vemos em festivais, mostras. Assim temos a sensação de termos muitos sapateadores. Nos musicais a participação do estilo ainda é pequena, por isso a dificuldade de bailarinos sapateadores. O investimento do bailarino é uma escolha, então não podemos exigir que saibam tudo, afinal o custo se torna caro e infelizmente os bailarinos sobrevivem na maioria das vezes de dar aulas.
Hoje o sapateado continua o mesmo na sua essência. Não vejo gênios no cenário brasileiro e nem grandes coreógrafos, só consigo ver diferentes ideias dentro de um contexto já conhecido por mim há muitos anos. Mas fico feliz de ver o sapateado ainda em destaque, devido aos intercâmbios feitos por algumas escolas.

O Trem, cena de New York, New York | 
Foto: Divulgação 
Você dirige a KS – Companhia de Sapateado que reúne grandes nomes do estilo no país. A KS é um sonho realizado ou ele ainda falta algo nesse caminho?
Kika: A KS é um sonho inacabado. Este ano foi mais difícil porque os integrantes estão em momentos diferentes de vida e não conseguimos nos reunir ainda. É evidente que a falta de patrocínio desanima, uma vez que tenho que bancar o mínimo para a companhia. Então estamos em fase de amadurecimento e pensando quais serão os nossos “Novos Caminhos”. O que tem de ficar claro é: não existem companhias de sapateado no Brasil com patrocínio e que possam literalmente dizer que vivem disso. Eu, pelo menos, não conheço ninguém que fique sapateando oito horas por dia ou fique trancada numa sala fazendo suas pesquisas e discutindo com figurinistas e coreógrafos.  Encontrar-se com alunos algumas horas por semana, criar coreografias e dizer que são uma companhia tem uma porção. O que não é ruim, mas infelizmente estas pessoas não podem se considerar uma companhia ou mesmo coreógrafos. São grupos de sapateado com bons criadores a fim de dançar e isto é bom também, mas é preciso ter esta consciência.

RD – Você acredita na dança...
Kika: Eu amo a dança. Estudei parte da minha vida para ensinar algo que sempre acreditei. Continuo aprendendo com os jovens, assistindo a balés, indo a exposições e lendo bons livros. A idade nos traz a paz do conhecimento. Ainda dou aulas com muito prazer, é isto que sei fazer. Só fico muito magoada quando ainda tenho de provar que não morri e existo com grande orgulho de ter conquistado um espaço neste pequeno mundo dançante. Talvez esse seja o motivo de a cena do Trem (do musical New York, New York) ser aplaudido durante o espetáculo. Talvez ela conte a minha trajetória artística: chego devagar, vou crescendo, fico veloz e continuo caminhando, paro nas estações, mas continuo caminhando...

terça-feira, 24 de maio de 2011

Célia Gouvêa entre suas memórias

Por Flávia Fontes Oliveira

Célia Gouvêa em retrato de Maurice Vaneau | Foto: Divulgação
Dia 26 de maio, como parte do programa Figuras da Dança*, desenvolvido pela São Paulo Companhia de Dança, Célia Gouvêa revê sua trajetória de artista da dança. Não foram muitos os que conseguiram reunir multiplicidade artística com tamanha desenvoltura como ela fez. Foi da primeira turma do Mudra, a escola de Maurice Béjart, na Bélgica, no início da década de 1970.

Ao lado de Maurice Vaneau (1926 - 2007), seu companheiro durante décadas, criou obras divisórias na dança brasileira, como Caminhada, de 1974, cujo humor e agudeza na dramaturgia sinalizaram para o que seria a atuação do Teatro Galpão – espaço fundamental da dança paulista que funcionou de 1975-1980.

Célia Gouvêa continua inovadora porque é incansavelmente inquieta. Ela gosta de criar, gosta de pensar a cena, pensar o corpo, a cidade. Há algum tempo, fiz um comentário sobre seu trabalho Corpo Incrustado, de 2007, e a relação com a cidade e a música. Seu trânsito e compromisso com as linguagens escolhidas enriquecem seu modo de ver e fazer arte. Quem puder, vale a pena ver o que ela tem a dizer.

*Veja a programação aqui

Programe-se

Para esquentar a semana. Dicas pelo Brasil.

1 – DEPOIMENTO PÚBLICO CÉLIA GOUVÊA, São Paulo Companhia de Dança (São Paulo. Célia Gouvêa revisita sua carreira em depoimento público a Inês Bogéa e será usado como referência para o documentário da artista. O evento faz parte do programa Figuras da Dança, que já tem mais 15 filmes editados e distribuídos para todo Brasil.
Classificação: livre.
Auditório Franco Zampari
Avenida Tiradentes, 4511 – ao lado do Metrô Tiradentes
Dia 26, 20h  
Ingresso: gratuito. Inscrição: memória@spcd.com.br

2 - TRILHA, Grupo Dans la Danse (Araras). Dirigido por Gisele Bellot, o grupo apresenta a coreografia Trilha selecionada pelo ProAC, Programa de Ação
Cultural  - Apoio a novas produções de dança no Estado de São Paulo 2010.
Classificação: livre
Teatro Maestro Francisco Paulo Russo
Av. Dona Renata, 401
Dia 28, 20h
Ingressos: R$5,00

3 - NEW YORK, NEW YORK - O MUSICAL (São Paulo). Produção inédita, adaptação do livro homônimo de Earl Mac Rauch, de 1977, e narra a história de amor entre a cantora Francine Evans e o saxofonista Johnny Boyle. Ambientada na América do pós-guerra, o musical tem direção de José Possi Neto, com os atores Alessandra Maestrini e Juan Alba, com participações especiais da atriz/cantora Simone Gutierrez e da cantora Julianne Daud. No elenco, 13 bailarinos, 16 atores/cantores, 25 músicos.
Classificação: 12 anos.
Teatro Bradesco
Rua Turiassu, 2100
Piso Perdizes do Bourbon Shopping - São Paulo
Horário: Qui. 21h, Sex. 21h30min, Sáb. 17h e 21h, Dom. 19h
Ingressos: de R$ 20,00 a R$ 170,00

4 – TATYANA, Cia de Dança Deborah Colker (Rio de Janeiro). Estreia oficial da nova coreografia, baseada no romance Evguêni Oniéguin, de Aleksandr Púchkin (1799-1837).
Classificação: livre
Theatro Municipal do Rio de Janeiro
Rua Manuel Carvalho - Centro
Dias 25, 26 e 27, 21h | dia 28, 1h e 21h | dia 29 17h
Ingressos: R$ 10,00 e R$ 20,00

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Um olhar sobre Balanchine-Robbins

 
Apollo, de Balanchine | Divulgação
Por Marcela Benvegnu, de Nova York

O David H. Koch Theatre, no Metropolian Opera House, em Nova York, estava completamente lotado na última quarta-feira, dia 18. Óbvio. Não é sempre que o New York City Ballet (NYCB) coloca lado a lado, em um único programa, obras de seus dois coreógrafos fundadores: George Balanchine (1904-1983) e Jerome Robbins (1918-1998) - a companhia foi fundada por Balanchine e Lincoln Kirstein (1907-1996). De Balanchine apresentaram Apollo (1928) e La Sonnambula (1946), de Robbins Afternoon of a Faun (1953) e Antique Epigraphs (1984). Resumindo: mais do que um programa de primeira, na verdade, um motivo para se entender um pouco mais de história da dança.

Pouco antes da apresentação, um grupo de aproximadamente 50 pessoas participou do que eles titulam de painel de discussão, um projeto de formação de plateia no qual, por aproximadamente 15 minutos, um representante do NYCB apresenta detalhes dos programas da noite. A ação criada há muitos anos pela Companhia pretende que o público não assista somente uma sequência de passos, mas entenda cada obra dentro de seu contexto histórico e possa criar diálogos entre os programas da companhia.

Criada com o nome de Apollon Musagète para os Balés Russes, de Sergei Diaghilev (1872-1929), com música de Igor Stravinsky (1882-1971), Apollo é o mais antigo balé de Balanchine presente no repertório do New York City Ballet – a companhia o estreou em 1951. Os bailarinos o executam com propriedade, os corpos têm o idioma Balanchine; logo, a movimentação é natural. Balanchine dialogava o tempo todo entre o simples e o complexo. Uma de suas marcas: a guirlanda de corpos e braços em quinta posição está presente nas torções e inclinações dos intérpretes. As bailarinas são precisas, mas Chase Finlay (Apollo) é quem nos imobiliza. Sua força cênica faz com que os olhos se percam.


Antique Epigraphs, de Robbins | Divulgação

Ainda de Balanchine, La Sonnambula nos leva para o mundo dos musicais. Ao assistir a esta obra,  podemos entender hoje como muitas coisas se articulam na cena e como reproduzimos formas coreográficas, às vezes, sem saber de onde elas vêm. Balanchine coreografou este balé em 1946 – com o nome de Night Shadow – para o Ballet Russe de Monte Carlo sobre a música de Vittorio Rieti, baseada nas óperas de Vicenzo Bellini. A peça estreou pelo NYCB em 1960. A história de mistério e de amor entre uma sonâmbula e um poeta é um verdadeiro baile, com direito a minueto, dança de pares e palco lotado por bailarinos impecáveis em técnica. Os cenários e figurinos de Alain Vaes chamam atenção pela beleza, e a intensidade de luz de Mark Stanley dá à coreografia a dramaturgia de cada momento da cena. Um detalhe que chama atenção e faz diferença no resultado: os pés esticados dos bailarinos nos sapatos de salto e a beleza no acabamento dos movimentos. Pela tradição NYCB, não poderia ser diferente.

No meio das peças de Balanchine, como um convite ao estudo da vida de Jerome Robbins, foram apresentadas, respectivamente: Afternoon of a Faun e Antique Epigraphs. A releitura de Robbins para Prèlude à L’aprés-midi d’un Faune (1912), de Vaslav Nijinsky (1890-1950), sobre música homônima de Claude Debussy (1862-1918) é primorosa. Se Nijinsky chocou Paris na época de sua criação por levar ao palco um balé em que o erotismo estava presente, Robbins fez exatamente o contrário. Ele leva o enredo para dentro da sala de ensaio, reconstruída na caixa-preta por Jean Rosenthal, na qual os espelhos são grandes janelas azuis, um fauno (Craig Hall) delicado e contido, que sonha com um amor impossível. Sua ninfa é uma bailarina (Janie Taylor) de cabelos longos e soltos, que dança para ele e com ele. Os intérpretes são longilíneos e, sobretudo, técnicos e o pas de deux é tão bem construído que os oito minutos passam como se fossem segundos. 
La Sonnambula, de Balanchine
Divulgação
Mais do que Afternoon of a Faun, Antique Epigraphs dialoga de forma direta com o fauno de Nijinsky por conta dos movimentos lembrarem imagens dos frisos gregos – a  a versão do fauno de 1912 foi inspirada nos frisos dos vasos gregos e nas imagens egípcias do Museu do Louvre. Este balé, também com música de Debussy, teve a música inspirada num poema (outra semelhança com a composição do fauno de Nijinsky, criada por conta do poema de Sthéphane Mallarmé) grego chamado Songs of Bilitis. O conjunto de oito intérpretes é forte. O movimento delineado dos braços chama atenção pela limpeza e também pela sincronia. Mais interessante é ver como Robbins transitava entre diferentes estilos de movimento sem choques – isso lhe garantiu grande reconhecimento e sua versatilidade passou a ser admirada. Ele, por exemplo, coreografou West Side Story, um dos grandes musicais da Broadway, em cartaz até hoje, no qual se configura como um grande corógrafo de jazz. Uma suíte deste musical será apresentada pelo NYCB na semana que vem num programa somente dedicado ao coreógrafo. Ah, sim. O NYCB faz jazz, tem aulas de jazz, ou melhor, dança jazz (também).

Nessa noite, mais do que o detalhe do movimento, o que salta aos olhos é a história. É preciso dizer que o programa do NYCB (a famosa revista chamada de Playbill) é o mais completo de todos do circuito da dança americana deste segmento por trazer a biografia dos coreógrafos e fundadores com datas de nascimento e morte e também a história contextualizada de cada uma das obras apresentadas. Muitas companhias apresentam Balanchine e Robbins, mas é preciso que o passado sobrevive e se reinventa no presente. É bom olhar para trás.


quinta-feira, 19 de maio de 2011

Entre o ABT de Herrera e Carreño: uma companhia jovem

Por Marcela Benvegnu, de Nova York


Paloma Herrera em Dom Quixote
Foto: Mira | © Copyright 2010 Ballet Theatre Foundation
Paloma Herrera entrou para o corpo de baile do American Ballet Theatre (ABT) aos 15 anos. Tornou-se solista aos 17, primeira-bailarina aos 19. Hoje, aos 35, ela sobe ao palco do Metropolitan Opera House, em Nova York, para comemorar 25 anos de carreira no ABT interpretando um dos mais famosos clássicos de repertório de todos os tempos: Dom Quixote, coreografia de Marius Petipa (1818-1910) e música de Ludwig Minkus (1826–1917). A noite de comemoração aconteceu na última terça-feira, 17 de maio.

Herrera dá vida a uma Kitri madura, o que faz determinadas cenas ganharem dramaticidade. Em contraponto, tem um toque de afetação que talvez possa ser relevado pela própria comemoração. A noite era dela e para ela. Dona de uma técnica de extrema qualidade, de linhas de pés e pernas perfeitas, ela abusa das sustentações e brinca com os giros e equilíbrios. Fica simples girar 24 fouetées sem titubear.

Nesta apresentação, José Manuel Carreño interpretou Basílio. Se a festa não fosse para Herrera, com certeza poderia ser para ele. Seus saltos congelavam no ar e suas sequências de 11 piruetas eram tão seguras que em alguns momentos ele ralentava o movimento de propósito. A orquestra regida Ormsby Wilkins o esperou em pausa para não perder o andamento.

Se por um lado Herrera e Carreños se destacam pela maturidade, o atual elenco do ABT (vale lembrar que um dos solistas da companhia é o brasileiro Marcelo Gomes) é jovem em todos os sentidos: idade, técnica e, sobretudo, dramaticidade. O corpo de baile contrasta com os solistas. Falta um pouco de harmonia nesse intervalo entre os grandes e o que vem por aí.

Quem chama atenção é Joseph Phillips, como o chefe do acampamento cigano, e Sarah Lane, como cupido. A variação de Phillips, remontada por Kevin McKenzie, diretor artístico do ABT, mostra toda sua versatilidade, força técnica e cênica. Ele é impecável. E a veloz e precisa Lane faz com que a plateia se arrume na cadeira para poder ver como ela é uma grande bailarina, mesmo tendo baixa estatura.

Impecável também foram os cenários assinados por Santo Loquasto. No terceiro ato, quando acontece o casamento entre Basílio e Kitri, dá vontade de pedir para que os bailarinos fiquem parados para poder olhar cada detalhe da vila retratada. Um exemplo é um tapete pendurado no teto ou mesmo a sujeira do telhado. Os figurinos, também de Loquasto, apesar de apresentarem cores muito vibrantes, tipicamente americanas, são trabalhados cuidadosamente em sua releitura. O vestido das sequidillas, com saia dupla pouco abaixo dos joelhos e levemente brilhante, é uma das mais lindas peças. Para completar, uma de suas mais importantes estrelas: a luz, de Natasha Katz. O desenho na cena era puro movimento. Coreografia de cores e climas que ajudaram – e muito – a plateia entrar na história.

O ABT trouxe ao palco um clássico, com os solistas “clássicos”, mas que precisa tornar homogêneo, ao menos nesta obra, o seu corpo de baile, ou seja, aqueles que fazem com que esses grandes nomes apareçam.
José Manuel Carreño em Dom Quixote
Foto: Roy Round | © Copyright 2010 Ballet Theatre Foundation


naBolsa | Tatiana Campani Klinger

Por Marcela Benvegnu
Estudos teóricos + professora de dança = Tatiana Campani Klinger | Foto: Eugênia Klinger  
“Batom, gloss, escova, uma latinha com vários elásticos e presilhas de cabelo, escova e pasta de dentes, espelhinho, óculos de sombra, celular, um pen drive, carteira, um par de meias com anti-derrapante por causa do pilates. As sapatilhas ficam na academia, pois tenho um armário lá.”

Tatiana Campani Klinger, 31, é bailarina. Pós-graduada em Estudos Contemporâneos em Dança pela UFBa e graduada em dança pela Faculdade de Artes do Paraná, FAP. É professora de balé clássico, contemporâneo e jazz da Academia Ensaio, de Rio Grande, Rio Grande do Sul. Também é instrutora de Pilates pelo Phisycalmind Institute.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Dois olhares sobre Green Door | Videodança


Vale a pena assistir a este videodança de Neda Ponzoni, Renzo Vasquez e Silvia Razuk. Infelizmente, ele não está no YouTube e não podemos postá-lo aqui, porém você pode conhecer os nossos olhares abaixo. Vale a pena ver.

Por Flávia Fontes Oliveira
Neste pequeno vídeo de dança, Green Door, um desafio, um vídeo-coreografia. Com recurso da edição, da fotografia e, claro, das intérpretes, ele dança. Isso me pareceu o mais interessante, nos espaços dos corpos, a cidade dança, participa dos intervalos, continuando o movimento.


Por Marcela Benvengu
Antes da imagem e do corpo, ou seja, antes do videodança: a música. É ela quem pontua a intensidade do movimento e de seus cortes em Green Door. A delicadeza do gesto. A mão. Os olhos. Ouvidos. A boca. Um toque. Pausa que se movimenta. Sinal de acesso. Porta para liberdade. Sentidos. 





Qual foi sua maior alegria na dança? Por quê?

Foram alguns raros e importantes momentos, quando entrei em especial conexão com o que dançava. Arrisco a concordar que a dança deve ser improvisada, deve mover-se antes da escrita. Quanto mais a fixamos, menos ela acontece a favor da sua “materialidade”.
Ainda sim, no dia a dia, busco por um estado de plenitude dentro desta escritura rígida. Acredito ser o desejo de todo bailarino atingir este estado. Por instantes de conexão que consigam ir além do mapa fixo e repetitivo que é uma coreografia. Acho determinante a conjugação de técnica, intuição e acaso nessa busca utópica e necessária.
Carolina Amares, 26, é bailarina do Grupo Corpo, dançou na DeAnima Ballet Contemporâneo, na Cia de Dança Deborah Colker e na São Paulo Companhia de Dança. Ela topou participar dessa série de peguntas para balarinos e artistas da dança. Foi a primeira. Sua desenvoltura, no palco e nas palavras, mostra as razões da escolha para inaugurar o espaço.  
Carolina Amares na primeira audição da
São Paulo Companhia de Dança  Divulgação SPCD

domingo, 15 de maio de 2011

Sapateado o mês inteiro

Por Marcela Benvegnu

Bill Bojangles: o sapateado na meia-ponta | Divulgação
Uma particularidade nessa nossa possível história da dança é que temos um dia para olhar (e comemorar) o tap dance, ou seja, o sapateado. A data do dia 25 de maio foi escolhida por ser o aniversário de Bill Bojangles Robinson (1878-1949), o precursor do estilo.
A contribuição de Bojangles para o sapateado foi muito valiosa e específica: ele levou o estilo para a meia-ponta, trazendo aos palcos uma leveza e clareza jamais vistas na tradição dos hooffers que dançavam com os pés inteiros no chão. Ele nasceu em Richmond, Virgínia, e, em 1898, mudou-se para Nova York. Aos 31 anos ,foi reconhecido e contratado pela produção do show Blackbirds, no qual apresentava um número em que subia e descia uma escada sapateando. Mais tarde esse seria o marco de sua carreira.
Com o sucesso de Blackbirds, tornou-se respeitado e passou a ser o primeiro negro a conquistar um papel na Broadway, em 1930, com o musical Brown Buddies. Ele também conquistou Hollywood (em 1932), onde liderou o primeiro casal interacial da história do cinema americano, contracenando com Shirley Temple, em The Little Colonel.
Nos Estados Unidos, maio é um mês em que se pode escolher quais apresentações, jams ou performances de tapdance quer ver. E no Brasil isso está virando tradição. A data aqui também é comemorada em grande estilo e, sobretudo, virou lei em 2007, passando a integrar o calendário das comemorações do Estado de São Paulo. A Lei nº14.347/07 do município de São Paulo reconhece o Dia Internacional do Sapateado no Brasil, bem como suas comemorações com destaque para o Sapateia São Paulo, da sapateadora, coreógrafa e musicista Christiane Matallo. 
Confira alguns eventos que serão realizados no Brasil para comemorar a data:

- Semana do Tap do Uai Q Dança | De 19 a 25 de maio | Uberlândia – MG | Aulas com: Caio Nunes, Giordano Pagotti, Kika Sampaio, Juliana Garcia, Leonardo Sandoval e Thiago Marcelino. Organização: Fernanda Bevilaqua. Mais informações pelo: http://www.danceuai.blogspot.com/

- Sorocaba Tap | De 27 a 29 de maio | Sorocaba – SP | Aulas com: Gisella Martins, Juliana Garcia e Roberta Forte e noite de apresentações e críticas. Organização: Iara Ramos. Mais informações: http://www.athenasacademia.com.br/
 
- Sá Pateia Brasília | De 27 a 29 de maio | Brasília – DF | Aulas com: Erick Gurierrez, além de apresentações, palestras e sessão de vídeo. Organização: Samanta Lemes. Mais informações: http://www.studiosapateia.blogspot.com/

- Sapateia São Paulo | Dias 18 e 19 de junho | São Paulo – SP | Aulas com: Samuel Faez, Cinthia Villas Boas, Patrícia Stellet e Luizz Baldijão, além de apresentações no parque do Ibirapuera. Organização: Christiane Matallo. Mais informações:http://www.christiane-matallo.com.br/

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Comentários sobre o Balé da Cidade de São Paulo


Por Flávia Fontes Oliveira

Cena de Paraíso Perdido | Divulgação
Em um de seus livros, Afterimages (Knopf, 1977), a crítica de dança americana Arlene Croce lembra que o crítico de dança leva de um espetáculo impressões que foram assimilados por seus órgãos de sentido. Eles não gravam fatos, ela frisa. Fiquei com a ideia em mente por conta do novo espetáculo do Balé da Cidade de São Paulo, Paraíso Perdido, do grego Andonis Foniadakis, que estreou no Sesc Vila Mariana, dia 5 de maio, por conta das percepções causadas por ele.

Ao partir dos quadros de pinturas de Hieronymus Bosch (1450-1516), Foniadakis procurou absorver a atmosfera das obras, assumindo o excessivo uso de elementos do pintor. Para isso, coloca intensidade e volume nas cenas, em que o profano e o religioso se debatem, por vezes, vertiginosamente.
Foniadakis é um encenador de olhar agudo, desenha o palco com o um grupo grande, cerca de 30 bailarinos, intercalando com momentos de duos, trios, solos. É um balé rápido e, nesse sentido, virtuoso. Os movimentos são, em grande medida, impulsionados pelos braços e exigem qualidade na execução. Não pode haver qualquer resquício de insegurança para tamanha agilidade. Não há esforço desnecessário para este elenco renovado, que se vê no desafio de criar um corpo para a nova gestão. E eles dão o recado. 
Nos 50 minutos de espetáculos, um tanto longos (o impacto seria provavelmente mais forte em menos tempo), bailarinos entram e saem da cena com a aflição do pecado. E essa aflição não cabe em silêncios, mistura-se a tensões sensuais, brutas e gritos. Quadro a quadro, encontramos nas cenas as referências a Bosch, com jogo de iluminação e figurinos, estes assinados por João Pimenta.
Uma coreografia contemporânea, como previa a nova diretora, Lara Pinheiro, utilizando o corpo em sua potencialidade de ferramenta. E no fim nos despedimos com essa sensação, que escapa um pouco pela entrada de figurinos pratas. Uma miragem?

terça-feira, 10 de maio de 2011

Instante da dança III

Por Flávia Fontes Oliveira

Quem conhece as fotos de João Caldas sabe que elas primam pela delicada combinação entre nitidez e emoção da cena. Ele, que coloca como ponto fundamental de sua carreira o encontro com os artistas da encenação de Clara Crocodilo, em 1981, a partir da trilha de Arrigo Barnabé e direção de Lala Deheinzelin, gosta dos desafios do palco, quando espetáculos se aproximam de várias linguagens, como IRIBIRI (1982), dirigido e concebido por Francisco Medeiros, José Rubens Siqueira e Sônia Mota, para a Cisne Negro Cia de Dança, em suas palavras “uma experiência nova e desafiadora de misturar teatro e dança”.

Trabalhou como fotógrafo no Centro Cultural São Paulo, documentando as áreas de Artes Cênicas e Artes Plásticas, o que lhe garantiu prática de fotografia de palco. Também foi repórter fotográfico do jornal Folha de S.Paulo, de 1985 a 1987, onde passou por todas as editorias.
Há mais de 20 anos, trabalha em seu estúdio, em São Paulo.  Fotografa regularmente para alguns artistas e companhias de dança como a São Paulo Companhia de Dança, Célia Gouvea, Marta Soares, entre outros.

Mesmo sem conhecê-lo, muitos já viram suas fotos de dança espalhadas em catágolos, programas e jornais ao longo de mais de 30 anos de trabalho. Dando sequência às entrevistas com estes profissionais que alimentam a cena brasileira, ele conta um pouco sobre seu olhar e a dança.

Cena de Clara Crocodilo, 1981,
especial na carreira do fotógrafo
O que te seduziu para começar a fotografar dança?
Na verdade, o que me seduz é o palco e tudo o que acontece nele. O marco da minha carreira de fotógrafo de palco foi em julho de 1981, na estreia do espetáculo Clara Crocodilo, dirigido por Lala Deheinzelin, que considero um espetáculo completo, pois tinha dança, teatro, música e performance. Conheci e acompanhei o trabalho do Klauss Vianna que fazia a coreografia e toda a preparação corporal do elenco. No Clara Crocodilo fiz parte da equipe e participei do processo de criação e montagem graças ao meu irmão e ator Renato Caldas, que era parte do elenco e me convidou para fotografar a montagem. Participar deste espetáculo marcante mudou minha vida, fiquei “contaminado” pelo palco, pelo teatro e pela dança.

Na dança, o que é preciso captar além do movimento?
A emoção e o sentimento ao assistir o espetáculo ao vivo no teatro, esse é um grande desafio da fotografia de dança. É difícil captar o movimento e, na foto de dança, é fundamental que o fotógrafo, além de ter capacidade técnica de fazer um bom registro, ele conheça a dança. É preciso entender a coreografia, escutar a música e ter o mesmo ritmo dos bailarinos. O tempo da foto de dança leva algum tempo para aprender, o fotógrafo também precisa treinar, ensaiar e repetir, repetir, repetir. Conhecer os movimentos, os passos e a própria coreografia ajudam muito, tudo isso aliado ao domínio técnico do equipamento fotográfico e de todos os recursos que ele oferece.

A lente transforma a dança?
Prefiro pensar que a fotografia transforma a dança e que o fotógrafo e sua lente recortam a dança em fragmentos que tentam representar o todo do espetáculo. A dança é que transforma o espectador. A energia, a potência dos bailarinos, a delicadeza e a beleza das bailarinas com a música e a luz deixam a alma do espectador leve e admirada.
Dirigirdo por Lala Deheinzelin, Clara Crocodilo
unia teatro, música, dança e performance
Outros olhares sobre a dança e a fotografia em Instante da dança I, com Sílvia Machado, e Instante da dança II, com Arnaldo J.G. Torres.

sábado, 7 de maio de 2011

Giselle 3D: para formar plateias


Natalia Osipova e Leonid Sarafanov em Giselle | Divulgação

 
Por Marcela Benvegnu

Renato* deve ter uns 35 anos. Talvez ele nunca tenha visto um balé de repertório ao vivo, porém, era uma das mais de 350 pessoas que lotavam a sala 5, do Shopping Jardim Sul, em São Paulo, na tarde de hoje. Apesar de não ter noção alguma da  história, ele pagou R$ 60 para assistir a um balé no cinema. Sim, no cinema. A UCI trouxe exclusivamente para o Brasil o primeiro balé em terceira dimensão do mundo: Giselle 3D, que fica em cartaz somente até amanhã, domingo, 8, com interpretação da Companhia do Teatro Mariinsky, tendo como solistas Natalia Osipova e Leonid Sarafanov e direção artística de Valery Gergiev.
 
Fator interessante nessa nova forma de divulgar a dança (se é assim que podemos chamar) é o público que valida o preço e esgota os ingressos da atração. A plateia quer conhecer a dança motivada pela inovação do 3D. Mas  a dança é mais forte do que a inovação, caso contrário, o público poderia optar por assistir Rio, de Carlos Saldanha, também 3D e em cartaz nos cinemas. Por falar na versão, ela é realmente fascinante. A sensação que o espectador tem é de estar sentado no palco assistindo ao balé do lado das intérpretes. Os detalhes saltam aos olhos.
 
Renato falou durante todo o filme e, se os seus comentários não fossem interessantes, talvez ele tivesse incomodado (e muito) quem estava ao seu lado. Sua grande preocupação era descobrir o nome da companhia que estava dançando e se Giselle estava ou não morta no segundo ato. Impossível não prestar atenção para tentar entender a forma como ele iria interpretar uma das maiores obras de repertório do mundo sem conhecê-la. 
 
Ele também ficou impressionado com a sequência clássica do segundo ato do balé, no qual as bailarinas atravessam o palco por meio de arabesques. “A perna delas fica dura”, comentou com a namorada. E entre tentativas de descobrir a narrativa e entender a pantomima, no final ele disse para ela: “Agora temos que ver ao vivo”. Pronto, estava aí a missão cumprida do filme-balé.  Formar plateia para dança. A história estava agora em segundo plano porque o que o balé conseguiu foi incitar sua vontade em ir a uma sala de espetáculo para assistir dança ao vivo, independentemente do estilo, e, na maioria dos casos, pagando muito mais barato. 

Natalia Osipova em Giselle | Divulgação
A INTERPRETAÇÃO – A safra de novos solistas do Mariinsky está cada vez mais jovem e forte. Quem viu Natalia Osipova, em Dom Quixote, no Festival de Dança de Joinville (a crítica que escrevi na época pode ser lida aqui) em 2008, se surpreende com ela em Giselle. Seu modo afetado e ainda juvenil deu lugar a uma personagem com carga dramática de peso. A jovem de 26 anos se revelou uma bailarina expressiva e tecnicamente bem trabalhada. Sua cena da loucura (no primeiro ato do balé) chama atenção pela interpretação. Ela, que entrou no Bolshoi em 2004 como integrante do corpo de baile, é hoje uma das primeiras-bailarinas da companhia. 

Osipova se sobressai também por conta do bom partner, Leonid Sarafanov, que interpreta Albrecht. O jovem bailarino se formou pela Kiev State School of Choreography e entrou no Mariinsky em 2002. Com uma técnica impecável, suas baterias e variações fazem o espectador ajustar o óculos 3D para realmente ter a certeza de estar vendo aquilo. Sarafanov é preciso, fluído e o tempo vai lhe dar uma interpretação um pouco mais madura.  O corpo de baile fez jus ao nome da companhia. Um único e grande corpo na cena.  Infelizmente nos créditos finais do filme, o nome dessas bailarinas não aparece e não se sabe ali, quem é quem.

O BALÉ – Giselle é um balé do período romântico, que foi coreografado por Jules Perrot (1810-1892) e Jean Coralli (1779-1854), com música de Adolphe Adam (1803-1856) e libreto de Théophile Gautier (1811-1872). Estreou em 1841, em Paris, e é dividido em dois atos, nos quais o realismo cotidiano dialoga com seres imateriais. O primeiro ato apresenta Giselle, uma jovem que vive em um vilarejo nos campos da França com sua mãe Bertha e, apesar de namorar Hilarion, se apaixona por Albrecht, um nobre disfarçado de camponês. Quando descobre a mentira, Giselle fica inconsolável e morre.  No segundo ato, o amor eterno da garota pelo nobre, que a noite visita seu túmulo, o salva de ter seu espírito tomado pelas willis, que são as mulheres que morreram antes do dia de seus casamentos. Sempre que um rapaz se aproxima, elas o obrigam a dançar até a morte. Na vez de Albrecht, Giselle dança em seu lugar, quebra o encanto das willis e o perdoa.
*Renato é um nome fictício, porém, a situação foi real.